quinta-feira, 28 de maio de 2009

Fortalezas da Raia: Lindoso

No concelho de Ponte da Barca, em pleno coração do Alto Minho, uma serpenteante estrada N 203 conduz-nos até as encostas da Serra Amarela e a Serra do Cabril. Entramos no Parque Nacional da Peneda-Gerês, recentemente convertido em Património Mundial pela UNESCO como parque transfronteiriço Gerês-Xurés, entre Portugal e a Galiza. Atravessamos pequenas aldeias como Entre-Ambos-os-Rios, Britelo, Cidadelhe e, finalmente, perto do posto fronteiriço da Madalena, Lindoso.

Lindoso é uma aldeia linda de ver por vários motivos. O primeiro é o seu património arquitectónico. O destaque vai para o castelo afonsino, reconstruído por D. Dinis, com baluartes e torre de menagem em 1278 e parcialmente modificado na época da Guerra da Restauração. Mas a sua feitura medieval é muito evidente, bem como a sua construção em silharia de granito, a pedra por excelência da região.

Mas não nos podemos esquecer dessa bela vista, ao lado do castelo, que constitui o Largo dos Espigueiros. Mais de cinquenta espigueiros podemos encontrar nesta esplanada rochosa de granito. Um espigueiro, para quem não saiba, é uma construção muito frequente no Norte de Portugal, nomeadamente no Alto Minho, mas também o podemos achar nas Terras de Basto, o Barroso ou até lugares tão longínquos como Castelo de Paiva, na região do Tâmega. Mas só duas aldeias apresentam uma concentração muito significativa deles: Lindoso, como estamos a referir, e a vizinha aldeia do Soajo, no concelho de Arcos de Valdevez.

Um espigueiro é uma construção feita designadamente com lajes de granito, que descansa sobre uns pilares curtos, assentes na rocha, e acimados por mós ou mesas. Constam, como mínimo, de uma porta de entrada e fendas que actuam para ventilação. Outras vezes o canastro, ou parte principal do espigueiro, apresenta balaustros de madeira, mas não é o caso cá no Lindoso, onde são inteiramente de pedra e na sua maior parte de época setecentista e oitocentista. Tinham como função albergar nomeadamente o milho, para evitar ser comido pelos ratos no momento da sua secagem. Não se pode dizer que sejam inteiramente originais, já que estão relacionados com construções similares existentes na Galiza, onde recebem o nome de cabazos, e que chegam até ao ocidente das Astúrias. Com função similar, mas com um tamanho e forma bem maiores, encontramos nas Astúrias o horru. São construções associadas ao desenvolvimento do cultivo do milho, introduzido desde América a finais do século XVI ou no limiar do século XVII, tendo um grande impacte no Noroeste Peninsular, isto é, o Norte de Portugal, designadamente a região de Entre-Douro-e-Minho, a Galiza e as Astúrias.

Outra amostra do património arquitectónico e a igreja matriz, românica, mas reformada posteriormente. Existe ainda o cruzeiro, entre a igreja e o Largo dos Espigueiros, sem esquecer o casario tradicional da região.

Para além do património arquitectónico, temos o património natural, entre o qual devemos destacar as encostas do vale do Lima, as serras Amarela e do Cabril e a barragem do Alto Lindoso, no meio de um marco de incomparável beleza.

Sem dúvida, uma região que vale a pena ver, bem pelo seu património e o contacto com a natureza, bem pela singeleza das suas gentes, ainda afeiçoada aos modos de vida tradicionais, onde o tempo não tem a maior importância, se exceptuarmos, é claro, o tempo da lavoura e o cuidado do gado, onde podemos ainda cheirar o sabor de outrora. Uma terra que é óptima para umas mini-férias de fim-de-semana ou para passar mais uns dias visitando outras partes do Parque Nacional como a Serra da Peneda e o Gerês, e ainda localidades históricas como Ponte da Barca, Ponte de Lima ou Arcos de Valdevez, bem como as terras galegas vizinhas.

Foto 1. Entrada e torre de menagem do castelo.
Foto 2. Muralhas e torre de menagem.
Foto 3. Outra vista da torre de menagem. Atenção à sua construção em silharia.
Foto 4. Vista geral do castelo e dos baluartes setecentistas.
Foto 5. Largo dos Espigueiros e Igreja Matriz.
Foto 6. Espigueiros, cruzeiro e vista geral da aldeia.
Foto 7. Encostas da barragem do Alto Lindoso vistas do castelo. Ao fundo, a Serra da Peneda. À esquerda, as encostas onde estão situadas as aldeias de Várzea e Paradela, no concelho de Arcos de Valdevez. À direita, as encostas onde está situada a aldeia de Olelas, no concelho galego de Entrimo.
Foto 8. Barragem do Alto Lindoso, no Lima, com a Galiza ao fundo.
Foto 9. Vale de escarpa do Lima.
Foto 10. Vista geral de Lindoso, da barragem e da Serra do Xurés (Galiza) ao fundo.
Foto 11. Simpática vitela de raça barrosã nas redondezas do Lindoso.


Ver Lindoso num mapa maior
Mapa 1. Mapa de situação.
Mapa 2. Situação do património arquitectónico e natural. Clique para ver num tamanho maior.

sábado, 16 de maio de 2009

Fronteiras: Parra/La Tojera (Tojeira)

Talvez uma das fronteiras menos conhecidas do Alentejo/Extremadura é a fronteira que liga a aldeiazinha de Parra com La Tojera (Tojeira). Trata-se de duas aldeias pequeninas, uma dependente da freguesia da Esperança, concelho de Arronches e a outra depende do município de La Codosera, na província de Badajoz, Extremadura espanhola, separadas ambas as duas aldeias pela Ribeira de Abrilongo.

A região está situada ao sopé da Serra de S. Mamede. De facto a própria aldeia de Parra faz parte do Parque Natural da Serra de S. Mamede, que se extende por estes lados. Do outro lado da fronteira, situa-se o que eu chamo de Extremadura alentejana, visto que as aldeias situadas na região fazem parte dessa franja de território onde se fala a nossa língua portuguesa, como consequência das migrações havidas no último quartel do século XIX (após o Tratado de Limites de Lisboa de 1864) e começo do século XX.

Para quem vem de Portugal, resulta ser uma agradável surpresa encontrar aldeias como El Marco (gémea do Marco, já referida), La Tojera (ou Tojeira), Bacoco ou La Rabaza (gémea da Rabaça) onde, apesar das misturas do casario com traços da Extremadura espanhola, é óbvio que se trata de aldeias alentejanas. Para quem vem de Espanha ou mesmo da região extremenha, encontra-se com uma zona desconhecida, diferente, que antecipa o nosso Alentejo.

Para além do casario, a paisagem envolvente é espectacular e vale mesmo a pena dar uma voltinha pelas montanhas circundantes. Porque na Raia existem muitos recantos desconhecidos, mas que oferecem visões onde o homem entra em contacto com a Natureza e se encontra a si próprio...

Foto 1. Fronteira de La Tojera (Tojeira). Lado de Espanha.
Foto 2. Fronteira de Parra. Lado de Portugal.
Foto 3. Vista geral da Tojeira.
Foto 4. Campos ribeirinhos (Ribeira do Abrilongo) do lado português vistos do limite fronteiriço.
Foto 5. Vista geral de Parra.
Foto 6. Casario alentejano de La Tojera (Tojeira).


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Mapa 1. Mapa de situação com indicação das sedes de concelho.


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Mapa 2. Mapa de situação da fronteira Parra/Tojeira.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Aldeias fronteiriças: Hermisende, S. Cibrão, Texeira

Na província de Zamora, no seu recanto ocidental, encontramos o concelho de Hermisende. Nada teria de particular se não fosse pela sua peculiar história e o facto de ainda existir a pegada da presença portuguesa na região. Trata-se de um concelho limítrofe com a Galiza e que faz parte da região das Portelas (região situada entre a portela (ou alto) da Canda e do Padornelo), embora vulgarmente seja enquadrada na região da Sanábria (Seabra).

Este concelho está formado por várias aldeias que totalizam pouco mais de 300 habitantes, sendo que Hermisende é a mais populosa. Destas aldeias, duas, Castrelos e Castromil pertencem ao ámbito linguístico galego, designadamente o dialecto portelego central, esta última está partida em duas partes pelo limite entre a província de Zamora e a Galiza, havendo uma parte galega, com mais habitantes, e outra de Zamora. As restantes aldeias são três: a própria Hermisende, San Ciprián de Hermisende y La Tejera. A particularidade destas aldeias é que no início eram aldeias portuguesas, pertencentes à província de Trás-os-Montes, e o foram até 1640, ano em que ficaram integradas no reino da Galiza, entidade administrativa existente na altura na Monarquia Hispânica. O nome delas, em português, era Hermisende (ou Ermesende), São Cibrão e Teixeira.

Trata-se de aldeias de xisto onde se misturam traços portugueses de tipo transmontano relacionados com a Terra Fria, designadamente na arquitectura popular, com outros próprios da Galiza e ainda elementos construtivos gerais em Espanha. O xisto, ao contrário que em Trás-os-Montes manteve-se até ao dia de hoje nos telhados das casas, o que não se verifica na Terra Fria a não ser algumas aldeias como Rio de Onor ou Montesinho, enquanto noutras a laje de xisto para o telhado mantém-se nas construções mais antigas e em franca regressão.

A língua falada lá, para além do espanhol ou castelhano, continua a ser a língua portuguesa, segundo o eminente filólogo Luis Cortés Vázquez, já falecido, professor catedrático na Universidade de Salamanca e que fez inquéritos linguísticos na região, definindo a fala do lugar como essencialmente portuguesa, com algumas influências galegas e do castelhano. Uma amostra disto será providenciada noutro 'post' mais adiante.

Isto é mais uma prova de que as fronteiras linguísticas nem sempre têm correspondência com as fronteiras políticas. Também não é verdade que Alcanices viesse a instaurar a fronteira mais antiga da Europa, visto que sofreu várias modificações com a passagem do tempo, como foi referido neste caso.

De qualquer forma, é uma região interessante e linda de se ver para quem quer ficar em contacto com a natureza e gosta da simpatia de gentes simples mas abertas para com os visitantes. Para quem vem de Portugal pode fazê-lo pela fronteira de Moimenta percorrendo Manzalvos, Cádavos e Castromil ou pela nova fronteira entre a Teixeira e Parâmio que liga esta aldeia com a de Fontes Transbaceiro, situada nessa freguesia do concelho de Bragança. Outra opção é aceder pela ligação da auto-estrada espanhola A-52 ou auto-estrada das Rias Baixas, na saída Lubián/Hermisende.

É óptima para passeios pelas montanhas, visto que a zona está cercada pelas serras do Marabón ao Noroeste, o sistema montanhoso Gamoeda-Montesinho para Leste e a Serra da Escusanha para sul, actuando esta como limite fronteiriço. No meio ficam o rio Tuela (que mais tarde se converte no Tua após a sua união com o Rabaçal águas acima de Mirandela) e o rio Baceiro, que percorrem este concelho antes de entrarem definitivamente em Portugal.

E para quem quiser tomar um refrescante banho numa tarde quente de verão, nada melhor do que fazê-lo perto da bela ponte românica que fica entre Hermisende e S. Cibrão, com uma paisagem espectacular envolvente...

Foto 1. Vista geral de Hermisende.
Foto 2. S. Cibrão visto de Hermisende.
Foto 3. Ponte românica sobre o rio Tuela.
Foto 4. Rio Tuela e Serra da Escusanha (limite fronteiriço nos cumes).
Foto 5. Vista geral da Teixeira.

Ver Hermisende num mapa maior

Mapa 1. Mapa geral de situação.