quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Douro Internacional: Barca d'Alva/Barragem de Saucelhe

Hoje vamos falar de uma das partes talvez menos conhecidas do nosso país. Trata-se do Douro Internacional, no troço entre Barca d'Alva e a barragem de Saucelhe.  O ponto de partida é Barca d'Alva, aldeia hoje pacata e onde o declínio devido ao encerramento da actividade ferroviária é ainda hoje visível. Quase sem serviços, hoje beneficia do turismo vindo dos cruzeiros que atracam nos cais criados para o efeito ou bem no cais de Vega de Terrón, já em Espanha, em terras de Salamanca, na foz do Águeda. Costuma ser ponto de partida para excursões para Salamanca ou a vizinha Figueira de Castelo Rodrigo, concelho com muita história e que vale a pena visitar. Por estar à beira-rio, o acesso desde esta última localidade faz-se pela N221, sendo que a partir de Escalhão o planalto começa a romper-se dando lugar a uma paisagem atormentada coroada pelas amendoeiras e as oliveiras, próprias deste micro-clima muito mais quente e que nada tem a ver com a rigorosidade do planalto das terras de Riba-Côa, continuação da peneplanície zamorano-salmantina, só interrompida a partir do rio Côa e pelos seus pequenos afluentes ou do Águeda e seus afluentes, que dão lugar à formação de arribas.

Passada a ponte, o percurso pela N221 não está isento de beleza, antes pelo contrário, mas é uma estrada não apta para aqueles que costumam ficar enjoados porque tem inúmeras curvas, a par de belas paisagens. Do lado português, o território encontra-se bem melhor explorado, com alternância entre as oliveiras, alguma amendoeira, árvores de rio e, sobretudo, as videiras nas encostas do Penedo Durão, cultivadas em socalcos. Do lado da província de Salamanca, talvez por tratar-se de uma zona de arribas com fortes pendentes, só há em destaque uma pedreira que contribui para a degradação desta paragem natural, e a abundância de matagais, próprio de terras pouco produtivas como é natural nesta região, com solos ácidos com abundância de granitos e quartzitos.

Esta paisagem continua durante todo o percurso de que estamos a falar. O micro-clima que contrasta com o clima geral das regiões vizinhas faz com que do ponto de vista agrário se dêem boas condições para o cultivo da videira, dentro da Região Demarcada Douro, Sub-Região Douro Internacional, e, portanto, fazendo parte do Alto Douro Vinhateiro, designado Património Mundial pela UNESCO em 2001, da oliveira e da amendoeira. As geadas rareiam nesta região e alguns pontos gabam-se de nunca terem sido cobertos pela neve. Não sabemos se é exagero ou não, mas o que é óbvio e que no Verão é possível ver isto. Se num dia de manhã, por volta das 10 horas encontramos uma temperatura de 21-22ºC no planalto ou no Freixo, é muito provável que tenhamos de suportar temperaturas de 26-27ºC nesta região. Se for um dia quente, no planalto podemos ter temperaturas de 32-33ºC, mas nesta região facilmente será de 39-40ºC, com a humidade acrescentada do Douro. Daí a alta qualidade do vinho e do azeite nesta região.

Já perto da barragem de Saucelhe, podemos optar por continuar viagem até Freixo de Espada-à-Cinta pela N221, que será alvo de um novo tópico no blogue, ou atravessar a barragem e conhecer as pequenas aldeias das Arribes salmantinas onde encontraremos pequenos solares e uma economia dedicada basicamente à pecuária. De facto, subindo para Saucelle, encontramos paisagens de azinhais que até nos lembram o clássico montado alentejano nestas latitudes setentrionais.

A viagem pode servir de pretexto para visitar o Penedo Durão ou perder-se pelas estradinhas que ligam esta região com Torre de Moncorvo, onde poderemos avistar formações geológicas muito antigas e aves rapazes e outros animais selvagens, sem esquecer as aldeias tradicionais.

Do lado dos Arribes salmantinos vale a pena visitar algumas aldeias com solares de pequenos fidalgos da região, ainda bem conservados, a barragem de Aldeadávila, que fica em paralelo com a localidade de Lagoaça, a primeira em receber foral do rei D. Afonso Henriques, e, perto de Masueco, o chamado Pozo (Poço) de los Humos, a visitar de preferência na Primavera, quando o rio leva muita água e o calor é suportável.

Não podemos finalizar sem dedicar umas palavrinhas à gastronomia, com destaque para o vinho (não deixar de provar o branco «Montes Ermos» de Freixo de Espada-à-Cinta, baratinho e bom), o azeite da região de Freixo, a posta mirandesa e os enchidos, é claro.

Espero com isto ter contribuído para dar a conhecer mais recantos raianos como uma janela aberta ao mundo onde qualquer pessoa possa deliciar-se com esta viagem com a sua imaginação ou mesmo fazendo-a!



 Foto 1. Ponte sobre o Douro em Barca d'Alva.

 Foto 2. Foz do Águeda. Início do Douro Internacional. À esquerda do Águeda começam as terras de Salamanca.

 Foto 3. O Douro visto da N221 perto de Poiares ao sopé do pico Durão.

 Foto 4. Vista do Douro com os olivais em primeiro plano (c. Freixo de Espada-à-Cinta) e as terras de Salamanca na outra margem (município de La Fregeneda).
 Foto 5. O Douro Internacional perto da barragem de Saucelhe, visto da N221.
 Foto 6. Paisagem do Alto Douro Vinhateiro (Património Mundial) da Região Demarcada Douro. À esquerda, foz do Huebra, afluente do Douro, nas mais áridas terras salmantinas.
Foto 7. Foz do rio Huebra e vistas das encostas das terras de Salamanca (Arribas del Duero), já perto da barragem.


 Foto 8. Central eléctrica da barragem de Saucelhe e vista de Salto de Saucelle, hoje campo de férias.
 Foto 9. Vista geral da barragem de Saucelhe.
 Foto 10. Barragem de Saucelhe.
Foto 11. Vista de Salto de Saucelle, hoje campo de férias.
 Foto 11. Douro Internacional visto de Saucelhe, com a foz do rio Huebra à esquerda e as encostas do monte Durão à direita.
 Foto 12. Vista geral do Douro da Barragem de Saucelhe até Barca d'Alva. Ao fundo, V. N. de Foz Côa.
 Foto 13. Douro Internacional entre Saucelhe e Freixo de Espada-à-Cinta.
 Foto 14. Freixo de Espada-à-Cinta visto de Saucelle.

P.S. Não queria deixar de passar a ocasião de dar as boas-vindas ao Rui, o nosso trigésimo-sexto seguidor. E, se quiserem, não deixem de aderir ao perfil do blogue no Twitter e no Facebook.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Festas do Povo: Campo Maior (2011)

Reconheço que tinha um bocadinho abandonado o blogue. Diferentes projectos profissionais, entre os quais o meu Doutoramento em História, viagens que tive de fazer, férias, etc., para além da vontade do dolce far niente, tem feito que não tinha postado nada estes meses. Mas isso não quer dizer que tenha estado parado. De facto aproveitei o tempo para visitar diferentes lugares, entre eles alguns da Raia, para poder apresentar aos meus leitores mais fotografias ilustrativas dos locais que valem a pena mesmo visitar e que se inserem na temática tratada neste blogue.

E para entrar em grande, nada melhor do que falar das Festas do Povo de Campo Maior, que tiveram lugar a semana passada e que foram alvo de programas televisivos, nomeadamente a RTP, a transmitir de lá parte dos eventos que tiveram lugar nesta vila raiana. Praticamente estiveram lá visitantes de todo o país, dos emigrantes que voltavam para a terra e da vizinha Extremadura espanhola. Não devemos esquecer que a fronteira do Retiro fica mesmo a 13 km. e logo em seguida está a cidade de Badajoz.

Para quem não conheça estas festas, consistem na decoração das ruas com flores de papel feitas de forma completamente artesanal pelas próprias gentes do lugar. É por isso que bem se pode dizer que são as festas do povo, porque é o povo desta querida vila alentejana quem participa na confecção das flores e de dar voltas à imaginação com o intuito de conseguir ser a rua mais bonita. Uma explicação mais alargada encontra-se no próprio site da organização, que pode ser consultado aqui.

A última vez que estas festas tiveram lugar foi no ano de 2004, sendo que depois de tanto tempo, os alentejanos, os portugueses e gentes de outras terras tivemos o privilégio de presenciar esta maravilha. Se bem que houve dias de fortes chuvas que estragaram um bocadinho a festa, o espírito dos campomaiorenses não descaiu e a festa continuou como prevista, inclusive com a visita do Presidente da República e do Primeiro-Ministro. Mas os protagonistas não são as personalidades, mas sim quem trabalhou por conseguir que a festa fosse todo um sucesso: o próprio povo de Campo Maior.

Na festa não podiam faltar alguns divertimentos, stands de produtos variados (produtos em pele, produtos alimentares como a ginjinha d'Óbidos, serviços de todo tipo, etc.), bem como as clássicas lanchonetes de festa onde não faltaram churros, farturas, pipocas, bifanas, hamburguers, cachorros quentes, espetadas, carnes grelhadas, etc. Eu, valorizando os produtos cá da terra, deliciei-me com um picadinho de carne alentejana de vitela de denominação de origem protegida com batata, e, é claro, o omnipresente café Delta, o maior produtor de café da Península Ibérica e que tem a sua fábrica aqui em Campo Maior.

Não faltaram espectáculos musicais e de dança e, obviamente, os cantos típicos de Campo Maior, com as mulheres com os pandeiros a tocar e a cantar canções tradicionais. Quer fossem ranchos folclóricos, quer grupos de amigos, aqui e acolá improvisavam-se espaços de canto num convívio que, longe de ser caótico, resultava de todo harmónico. Estes cantos típicos, onde as mulheres tocam pandeiros enfeitados com fitas a cores, e acompanhados pelo tambor e, às vezes pelo acordeão, e onde as mulheres assumem o papel principal no canto, apresentam semelhanças com outros cantos tradicionais do Noroeste. Não devemos esquecer que Campo Maior foi uma vila de reconquista leonesa e não portuguesa. Quando o rei D. Sancho II conquistava Elvas em 1226, o rei leonês Afonso IX, fazia o próprio ao reconquistar Mérida, Badajoz, Campo Maior e Ouguela aos muçulmanos em 1230. Em mãos leonesas esteve até o Tratado de Alcanices de 1297, quando o rei D. Dinis, astuciosamente, soube aproveitar o vazio de poder em Castela e ampliar as fronteiras do seu reino acrescentando Campo Maior, Ouguela e Olivença. Sendo uma tradição única n0 Alentejo, e não sendo eu um erudito em questões musicais, não deixo de observar, no entanto, semelhanças com cantos tradicionais que já tenho ouvido nas Astúrias e Leão, designadamente nas tradições dos chamados «vaqueiros de alzada», ou na Galiza. Reminiscências de tradições asturo-leonesas? O certo é que um elemento comum a todas estas tradições há: o grupo de mulheres que cantam com pandeiro com ritmos bastante semelhantes. Talvez algum historiador da música ou etnógrafo possa algum dia tirar-nos a dúvida...

E como nada melhor do que uma imagem, lá vai uma selecção de imagens, todas elas nocturnas, das ruas floridas de Campo Maior. Espero que gostem. Ah! E fiquem atentos ao blogue. Não vão ficar desiludidos!