Entrando de novo no terreno do esquecimento, lá vai uma fronteira muito pouco conhecida. Trata-se da fronteira existente entre Moimenta da Raia, freguesia e aldeia do concelho de Vinhais, e São Cibrão de Hermisende (San Ciprián, na toponímia oficial). É pouco conhecida porque de Moimenta sai apenas um caminho rural de terra batida, enquanto de S. Cibrão há um desvio pavimentado de apenas uns 200 m. até ao mesmo limite fronteiriço que parte da estrada ZA-L 2698, que liga Hermisende com Castromil, aldeia que está partida em duas partes porque uma pertence ainda à província de Zamora e a outra faz parte já da Galiza, mais exactamente da província de Ourense e do concelho de A Mezquita.
Partindo de Hermisende, temos de atravessar a ponte da Veiga, ponte medieval situada sobre o rio Tuela, um dos dois rios, que junto com o Rabaçal formam o Tua pouco antes de chegar a Mirandela. Daí há uma subida íngreme na que S. Cibrão fica de lado, visto que temos de passar de pouco mais de 790 m. no fundo do vale até quase os 1 000 m. passando a meia encosta da Serra do Marabón, serra que separa a província de Zamora da Galiza. Daí chegamos a um planalto granítico que desce em suave declive entre os 1 100 e os 900 m., flanqueado pela Serra do Marabón e a Serra da Coroa, situando-se Moimenta da Raia a uma altitude algo inferior aos 900 m., na parte mais baixa do planalto pouco antes de chegarmos às íngremes encostas quase em arribas do vale do Tuela.
Esta situação entre a Galiza, Leão e Portugal deu lugar a pontos como o chamado Penedo dos Três Reinos, não muito longe deste ponto fronteiriço, se bem na realidade o reino da Galiza tinha o seu limite oriental na Portela do Padornelo e as províncias do Antigo Regime mantiveram esta situação até 1833, com a reforma provincial de Javier de Burgos, que deu o território entre esta portela e a Portela da Canda, à província de Zamora. Os penedos graníticos fazem, pois, parte da paisagem deste planalto porque a sua elevada altitude faz com que abundem afloramentos rochosos e uma paisagem quase desoladora de estevas, urzes, giestas ou tojos, ou seja, grandes extensões de mato açoitados por um vento geado no Inverno e pelo calor intenso no Verão.
Daí a importância do fumeiro na região, aquém e além fronteiras, que beneficia destas temperaturas baixas que resultam ideais para o fabrico de enchidos e, no concelho de Vinhais, da cria do porco bísaro, verdadeira iguaria e marca identificadora da região. Como muitas aldeias, esta região sofreu com intensidade a emigração, mas manteve certos usos comunitários hoje em declínio e que, infelizmente, decerto morrerão com a extinção das gerações mais velhas, dedicadas à agricultura e à pecuária, numa economia típica de subsistência.
Do ponto de vista cultural importa salientar o facto de as relações transfronteiriças terem sido muito intensas, o que se traduziu numa mistura de traços do ponto de vista etnográfico e linguístico. As fronteiras na região realmente não foram bem delimitadas até ao Tratado de Limites de 1864. Já as Inquirições de D. Afonso III de 1258 mostravam que Portugal estava na posse da aldeia de Manzalvos e metade da aldeia de Cádavos, actualmente do concelho de A Mezquita, na Galiza. Relativamente à S. Cibrão é comummente aceite que esta aldeia junto com Hermisende e Teixeira pertenceram à coroa portuguesa até 1640, se bem Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal e grande estudioso do distrito de Bragança, mostra que a documentação histórica não nos permite afirmar tal hipótese, sendo que talvez tenham sido perdidas ao longo do século XVI.
Seja como for, a dominação portuguesa deixou a sua marca na língua falada na região. A mal chamada Alta Sanábria ou Sanábria galega é na realidade a região das Portelas e o galego é a língua principal de uso, para além do castelhano oficial. No entanto, nestas três aldeias de S. Cibrão, Hermisende e Teixeira há quem afirme que é falado um galego com traços portugueses ou um português em descomposição, com traços galegos. Do ponto de vista filológico, S. Cibrão pertencerá ao grupo do chamado «portelego central», tendo perdido o uso do esse sibilante sonoro, que ainda se mantém nas aldeias de Hermisende e Teixeira, do grupo do «portelego oriental». Os seus habitantes não se consideram sanabreses, mas antes porteixos.
Em resumo, uma região de confluência de culturas que vale a pena visitar quanto mais não seja que pelas suas paisagens, o contacto com a Natureza ou o património cultural e humano. Embora o Verão seja a melhor estação para visitar, quer pelas suas melhores condições meteorológicas, quer pelo facto de haver uma vida mais animada com os emigrantes que voltam de férias e as romarias, eu gosto particularmente no Inverno, quando esse vento frio acaricia o meu rosto e sinto algo de purificador nisso, no meio do cheiro do mato e o fumo da lenha das casas lentamente queimada na lareira para aquecê-la ou até mesmo cozinhar pratos fortes e consistentes. Vai um bom cozido ou umas fatiazinhas de salpicão de porco bísaro?
Foto 2. Caminho fronteiriço entre penedos.
Foto 3. Caminho da Moimenta, com a Serra da Coroa ao fundo.
Foto 4. Vista do planalto, entre Portugal e a Galiza onde se assentam aldeias como Carvalhas, Casares ou Manzalvos.
Foto 5. Marco fronteiriço com vistas para a Serra do Marabón.Foto 6. Mudança de piso que indica o limite fronteiriço visto da parte da província de Zamora.
Foto 7. Vista da estrada da parte de Zamora, o planalto e a Serra do Marabón ao fundo.
Ver Fronteiras: Moimenta da Raia/S. Cibrão num mapa maior
This area had been very important for all history of Europe, in a certain period of the Middle Age.
ResponderEliminarThe Arabs entered to Europe and had in mind to arrive everywhere. But they were stopped here and, in the following centuries, the states created by the "Three Kings" sent them away from our continent.
It was not easy. Just think that in the year 1000 the most great town in all the world was Cordoba (Arabian at that age; now in Spain).
If the Arabs were winning, probably many things would be very different, on the Earth, today.
Como habitualmente, mais um excelente post, desta vez de um troço da nossa fronteira que eu conheço um pouco melhor! Tem piada que, depois de eu ter sugerido um post sobre a estrada entre Mofreita e Moimenta, tu vens e apareces com um post sobre... Moimenta! Mais uma vez, Muitos Parabéns! :-)
ResponderEliminarAbsolutely. In fact, Arabs wanted to occupy all «civilizated» Europe and invade the Bizantine Empire by the West to destroy it and unify the Balkans and the Anatolia Peninsula with the territories conquered to the Bizantines a century ago. Only the defeat in Asturias at the battle of Covadonga in 722 and in France at the battle of Poitiers against Charles Martel stopped this.
ResponderEliminarAnyway, the Muslim culture was at this time more developed than European one. There was a open-minded society, not as today. However, for some historians Arab civilization was a Mediterranean one, so for them probably the green and Atlantic Europe wouldn't be the natural space to live there.
We will never know...
Pois, eu fiz já de propósito. Hehehe.
ResponderEliminarDisse, bom, já que falou, vou escrever sobre a Moimenta.
Já agora, nos mapas que costumo usar, para além dos do Google Maps indicam essa estrada fronteiriça. Já estou morto de curiosidade por saber como é que é.
De resto, o que é que faziam por esses lados? Não estariam a contrabandear café, hein? LOL.
;-)
Contrabando é chão que já deu uvas por essas bandas. Estávamos a ver se víamos uns veados ou javalis para trazê-los para a arca frigorífica cá de casa... :-D A sério, estávamos mesmo a passear. Era Setembro e o tempo já estava agradável para esses passeios, nem muito quente nem muito frio.
ResponderEliminarSim, Setembro é um bom mês para passear, se bem que cá no Alentejo ainda podemos ter dias verdadeiramente quentes. Em Trás-os-Montes a vantagem é que as noites são mais frescas e é possível descansar. No Alentejo só com ar condicionado ou a fazer serão até à madrugada.
ResponderEliminarAs paisagens são diferentes. Como Trás-os-Montes é muito montanhoso, apesar de não apresentar altitudes muito elevadas, as paisagens são espectaculares. Isso, unido ao património etnográfico e gastronómico, fazem desta região todo um luxo para poder passear e saboreá-la.
Cá no Alentejo temos de percorrer grandes distâncias entre localidades. De Elvas, o mais próximo é Badajoz e Campo Maior a 15-18 km., tirando as aldeias do concelho. Mas se quisermos ir a outras localidades já temos de fazer 30 ou 40 km. para chegar a Monforte, Arronches, Alandroal, Borba ou Vila Viçosa e 50-60 para chegar até ao Redondo ou Portalegre. A sorte que temos é que as estradas costumam ter rectas muito compridas e eu, pelo menos, não me aborreço de ver a paisagem de montado com os sobrais e azinhais, pequenas albufeiras, ovelhas, vacas, as oliveiras, as videiras. E raro é não encontrar um castelo, uma torre, um recinto abaluartado ou simplesmente aldeias tipicamente alentejanas bem conservadas, bem caiadas e com o azul ou amarelo Alentejo.
Como diria o nosso ilustre geógrafo Orlando Ribeiro, Portugal é o Mediterrâneo, o Atlântico e o Interior. Eu estou cá no Sul, mas não abdico de conhecer outras bandas onde me sinto tão bem como é na região transmontana com as suas paisagens e simpáticas gentes.
Em relação às distâncias, aqui é igual ao Alentejo, se não considerarmos as viagens. As localidades importantes mais próximas da cidade de Bragança são Vinhais e Macedo de Cavaleiros, a mais de 30 km. Se considerarmos vilas que não são sede de concelho, como Izeda ou Argozelo, as distâncias também são semelhantes. Amanhã, irei a Chaves e a Montalegre em trabalho. Devido às obras no IP4, curvas por curvas, vou pela estrada por Vinhais, que ao menos é mais directa para Chaves. De Bragança a Chaves são cerca de 140 km para cada lado e apenas passarei por 5 concelhos: Bragança, Vinhais, Valpaços, Chaves e Montalegre. Só espero que não haja muito gelo na estrada para que a viagem se possa fazer com segurança, mas parece que não terei sorte! :-)
ResponderEliminarNo meu comentário anterior, cometi uma gafe. Na 1.ª frase, onde escrevi "se não considerarmos as viagens", eu deveria ter escrito "se não considerarmos as aldeias". Sorry!
ResponderEliminarNão faz mal. «Errare humanum est».
ResponderEliminarQuanto às distâncias, tens razão, mas com uma diferença. Entre sedes de municípios sempre há aldeias que além do mais costumam espalhar-se em superfície e até algumas podem ter uma certa relevância como Izeda, Sendim, Rebordelo, Vilar de Perdizes, Vidago, Pedras Salgadas, Torre de D. Chama, etc.
Cá no Alentejo isso não existe. Às vezes poder haver 30 km. de distância entre um ponto e outro e não haver nada, mesmo NADA. Ou só apenas alguns caminhos para alguma herdade isolada. Mas isso também tem de ver com o povoamento medieval. Enquanto no Norte existiam pequenos proprietários de terras, no Alentejo domina a grande propriedade latifundiária porque muitas das terras foram dadas às Ordens Militares aquando da conquista do território aos muçulmanos. Dai que as terras fossem mais utilizadas na pecuária e para o cultivo do cereal, designadamente searas extensas de trigo ou cevada e não tanto o centeio como na região transmontana.
Enfim, coisas da História...
ola, quanto custa mais ou menos um terreno em moimenta ???
ResponderEliminarNão posso dizer porque depende do tamanho do terreno e se é para construir ou não. O melhor que pode fazer é ver em sites como olx.pt ou imovirtual.com e similares. Lamento não poder ajudar mais.
EliminarLuís.