No Baixo Alentejo, entre Safara e Barrancos, encontramos a que talvez seja a aldeia do Alentejo mais profundo: Santo Aleixo da Restauração, localidade e freguesia do concelho de Moura que está situada muito perto da linha de fronteira, entre a Serra da Adiça e a Contenda de Moura, um dos lugares mais desconhecidos do nosso país e com uma grande variedade de vegetação e actividade cinegética.
A aldeia já está documentada no século II a.C. com o nome de Totalica, que fazia referência aos metais lá explorados na época romana. Com este nome será designada a povoação no século X pelo geógrafo Al-Rāzī numa descrição do Al-Ándalus e parece que assim continuou até à sua conquista pelos portugueses pela Ordem do Hospital. Mas a sua fama virá com a Guerra da Restauração, facto que levará à Junta de Freguesia a pedir, em 1957, que fosse designada como Santo Aleixo da Restauração, para se distinguir de localidades com o mesmo nome. O facto é que, como consequência da sua situação fronteiriça, a aldeia vai sofrer vários sítios e pilhagens dos exércitos castelhanos em 1641 e 1644. Apesar da desvantagem numérica, os seus habitantes vão conseguir resistir heroicamente e causaram inúmeras baixas no exército invasor. O sítio de 6 de Outubro de 1641 vai ser o mais assinalável porque os castelhanos sitiaram a aldeia com 1 300 soldados e 200 cavaleiros contra apenas 100 soldados portugueses comandados pelo Capitão Martinho Carrasco Pimenta. Depois de repelir dez investidas, o exército castelhano viu-se na necessidade de se retirar vergonhosamente depois de ter 55 baixas contra duas portuguesas após umas três horas de confronto. No entanto, grande parte da aldeia sofreu saque e o incêndio de várias casas. A povoação sofrerá, para além destes dois sítios, um terceiro, já em 1704, no marco da Guerra de Sucessão Espanhola, que arruinará a aldeia.
A localidade apresenta traços característicos do Alentejo, com um domínio das actividades agro-pecuárias nas quais a grande propriedade latifundiária é dominante. A falta de perspectivas tem feito que a emigração tenha sido a saída habitual para fugir à pobreza e à falta de emprego, o que supôs uma queda demográfica de pouco mais de 3 000 habitantes em 1950, no seu máximo demográfico, para um cerca de 800 segundo o censo de 2011. As searas e a oliveira são as culturas mais representativas junto da exploração do gado bovino, ovino e suíno, por esta ordem, sendo que no gado suíno tem especial destaque o porco preto.
Do ponto de vista etnográfico, Santo Aleixo apresenta uma estranha mistura de elementos tipicamente alentejanos, que são os dominantes, com alguma influência espanhola nalguma das casas lá existentes como o uso de certo tipo de azulejos nas fachadas ou até gradeamentos nas janelas. De facto, ao perguntarmos pela estrada para a Contenda de Moura, reparámos que alguns dos seus habitantes apresentavam uma fala um tanto espanholada, por falarem com vogais mais abertas. Mas o destaque vai para um traço muito próprio do Alentejo como são as suas chaminés, das quais Santo Aleixo tem belas amostras um pouco por toda a aldeia. A parte mais antiga, na qual está situada a Igreja Matriz, declarada Monumento Nacional, e datada no século XVII, fica no alto de um outeiro a partir do qual temos belas vistas da planície. Do outro lado da ribeira de Santo Aleixo, seca na maior parte do ano, fica outra parte da aldeia, mais recente, de ruas rectas que sobem até meia encosta das lombas vizinhas, entre um mar de oliveiras. A tradição alentejana está presente ainda no cantares alentejanos pelo facto de contar com três grupos corais numa aldeia com tão poucos habitantes.
No Largo da Restauração está situado um obelisco que rememora os sítios de 1641, 1644 e 1704 e resulta um lugar muito aprazível. Ao lado, a Igreja Matriz, com belas portas barrocas em mármore de tons rosáceos que contrastam com o branco puro do edifício. Pena é que, tendo sido visitada num domingo, estivesse tudo fechado, até os portões de entrada. Não ajuda isto muito ao desenvolvimento do turismo. Outro monumento a destacar é o Convento da Tomina, a vários km. da aldeia, situado na Contenda de Moura, perto da confluência do ribeiro de Pai Joannes com a ribeira de Murtigão, numa zona de difícil acesso. Trata-se de um convento fundado em 1686, infelizmente hoje degradado, em honra de Nossa Senhora das Necessidades, e que beneficiou de grandes obras como riquíssimos paramentos e decoração chinesa oferecida pelo rei D. Pedro II. No último fim-de-semana de Agosto tem lugar uma romaria de cinco dias, sendo um ponto de encontro de carácter transfronteiriço. É de salientar o facto de que se bem Santo Aleixo fica a uns 6 km. da fronteira e a 12 de Rosal de la Frontera, o Convento da Tomina está situado mais próximo da localidade de Aroche (Huelva).
Outro ponto em foco é a própria Contenda de Moura. Como o seu nome indica, trata-se de um território no início pouco definido, já existente desde a conquista portuguesa do território e que pela sua indefinição acabará por ser alvo de uma Concordata em 1542 para o seu uso colectivo pelos habitantes do concelho de Moura e dos andaluzes de Encinasola e Aroche, ficando interdita a agricultura e a construção de casas. É por isso que o território passou a ser uma reserva cinegética de primeira ordem com abundante vegetação autóctone. Pelo Tratado de Madrid de 1893 a fronteira da Contenda foi claramente delimitada sendo que com o Tratado de Limites de 1927 ficou inserida entre os marcos fronteiriços 992 e 1011. Hoje é um lugar ideal para caminhadas e para apreciar a natureza.
A localidade pode ser um belo ponto de partida para explorar a região, contando ainda com belos exemplos de estabelecimentos de agro-turismo como a Herdade da Negrita, que nos remete para o prazer do «dolce far niente», enquanto desfrutamos de um belo serão ou simplesmente da contemplação da imensidade da planície. Sem dúvida, é uma região a descobrir!
Foto 2. Vista da parte mais «moderna» da aldeia, na outra margem da ribeira de Santo Aleixo.
Foto 3. Outra vista da parte mais «moderna» da aldeia.
Foto 4. Chaminés alentejanas.
Foto 5. Obelisco do Largo da Restauração.
Foto 6. Rua da Igreja vista do Largo da Restauração.
Foto 7. Esplanada no Largo da Restauração com vistas à planície (restos do antigo fortim).
Foto 8. Largo da Restauração. Vista geral.
Foto 9. Casas alentejanas típicas com a planície ao fundo.
Foto 10. Porta barroca da Igreja Matriz.
Foto 11. Lateral sul da Igreja Matriz.
Foto 12. Fachada da Igreja Matriz e vista da aldeia.
Foto 13. Vista geral de Santo Aleixo da Restauração pela estrada de Sobral da Adiça.
Foto 14. Vista da povoação com a Contenda de Moura ao fundo.
Foto 15. Pôr-do-sol na planície perto da Herdade da Negrita com a Serra da Adiça ao fundo.
Ver Aldeias fronteiriças: Santo Aleixo da Restauração num mapa maior
Mapa 2. Mapa específico.
Excelente artigo! Mesmo não conhecendo nada desta região de Portugal, li todo o texto com muito interesse. Vejo que com este artigo, começas um novo ciclo no teu blog, em que falas não das fronteiras em si, mas das localidades ou locais próximos da fronteira. Se é assim, penso que mais dia menos dia, falarás sobre as "minhas" aldeias, ambas fronteiriças: Picote, no concelho de Miranda do Douro (esta está mesmo na fronteira!) e Venade, no concelho de Caminha (não está pegada à fronteira, mas está apenas a 3 km). De Venade, vê-se perfeitamente o troço final do rio Minho e a Galiza com o imponente monte de Santa Tegra (Tecla, em castelhano) a vigiar a sua foz! :-)
ResponderEliminarLamento a demora em responder. Bom, na realidade ainda tenho muitas fronteiras por mostrar, mas é verdade, as fronteiras não são apenas os próprios limites fronteiriços, mas também as aldeias, as paisagens, os monumentos, tudo, de um lado e outro da fronteira. E sim, haverá tempo para mostrar outros lugares da nossa Raia. De facto, já tenho pensado dar uma reviravolta e deixar o Alentejo para voltar mais a norte. ;-)
EliminarCá te esperaremos! :-)
ResponderEliminarParabéns pela excelente reportagem! Santo Aleixo da Restauração é sem dúvida uma aldeia espetacular para visitar. É um cantinho acolhedor e espero que tenha provado os deliciosos pastéis de chila.
ResponderEliminarUm bem haja e continue a mostrar o que de belo temos no nosso país.
Maria Joaquina Fialho
Muito obrigado pela sua sincera expressão de gratidão. É para mim um prazer saber que as pessoas desfrutam mesmo da leitura do blogue.
EliminarUm bem haja para sim também.
Luís Seixas.
Parabens, somos Aleixo e moramos na Argentina.
ResponderEliminarNos gostariamos de saber sim nosso sobrenome tem relacao com á aldeia.
Obrigado.
Aleixo é um nome comum a todo Portugal e em espanhol o seu equivalente é «Alejo». Embora não conheça bem a vossa história, acho que tem a ver mais com um antropónimo do que com uma origem numa aldeia qualquer do mesmo nome. Importa salientar o facto de existirem mais aldeias como Santo Aleixo freguesia do concelho de Monforte, no Alentejo, ou Santo Aleixo de Além Tâmega, no concelho de Ribeira de Pena, em Trás-os-Montes.
EliminarSe estiverem interessados nos vossos origens, acho que o melhor que podem fazer e pesquisar tudo aquilo que puderem sobre a vossa família, designadamente quem foi o primeiro Aleixo da família que chegou à Argentina e qual era a sua procedência porque no Brasil também pode haver pessoas com esse último nome. Se a origem foi realmente portuguesa, o melhor é tentar averiguar de que distrito ou aldeia era proveniente o vosso antepassado. Daí podem formalizar um pedido, prévio pagamento, ao Arquivo Distrital do distrito em questão, que por uma quantidade módica, fazem uma pesquisa e enviam cópia da documentação existente em censos o livros de casamentos, baptizados e óbitos.
Espero que essa informação vos tenha sido de utilidade.
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