segunda-feira, 2 de abril de 2012

Curiosidades fronteiriças: Pulo do Lobo (c. de Mértola)

Embora não seja propriamente um local estritamente fronteiriço, vale a pena dar destaque a esta maravilha ímpar da Natureza, até porque pertence a um município fronteiriço como é o concelho de Mértola e certamente não fica muito longe em linha recta da fronteira. Estamos a falar do famoso à par que desconhecido Pulo do Lobo, situado em pleno Parque Natural do Vale do Guadiana.

É que o rio Guadiana é, sem dúvida, o rio mais surpreendente dos grandes rios ibéricos. Surpreendente no sentido das esquisitices que apresenta no seu curso. Ora vejamos: nasce nas Lagoas de Ruidera, um conjunto de lagoas situadas na região de La Mancha, entre as províncias de Albacete e Ciudad Real. E pouco depois, primeira surpresa: o rio some e desaparece! Daí, perto do Parque Nacional de las Tablas de Daimiel, volta a aparecer nos chamados Ojos (olhos) del Guadiana. O rio é segue o seu curso abandonando progressivamente a região para entrar na Estremadura espanhola onde é represado em sucessivas barragens antes de vaguear lentamente pela planície agrária mais importante da região conhecida como Vegas del Guadiana, de agricultura intensiva (tomate, arroz, pomares, etc.) sendo cada vez mais largo graças aos aportes dos seus afluentes até chegar à cidade de Badajoz. A partir da confluência do Caia, o rio começa a ficar encaixado durante vários quilómetros passando pela histórica Ponte da Ajuda, que ligava Elvas com Olivença sendo que desde esse ponto começa a estender-se novamente a causa da barragem de Alqueva, formando o Grande Lago, com um comprimento de mais de 100 km. Após a barragem, passa pelos arredores de Moura, com menos caudal, mas ainda com uma largura importante. Já no concelho de Serpa, limitando com o município de Beja, o rio começa a estreitar-se de novo, encaixado entre lombas não muito altas mas sim íngremes e frequentemente rochosas. E eis aqui que se produz o milagre: de repente, sem que possamos adivinhar, o rio fica reduzido a um curso muito reduzido formando uma grande cascata, com quedas múltiplas de água, até a queda final, em que cai mais de 20 m., formando um lago de águas serenas.

Esta queda d'água ou cascata é conhecida pelo nome de Pulo do Lobo, pois acredita-se que devido ao facto de as margens serem tão estreitas e apertadas, um lobo  em caça era capaz de transpor as duas margens de um salto. Não sei se isso é lenda o realidade, mas a verdade é que era capaz de ser assim nos tempos em que o lobo ainda habitava a região, antes da grande regressão das populações do lobo do último século. As águas correm turbulentas num mar de espuma, no meio de rochas de xisto que adoptam estranhas formas que denotam dobramentos intensos na era paleozóica, arrasadas na era mesozóica e depois desbastadas pela erosão no Terciário. Na realidade, o que vemos hoje é um vale rochoso que não é mais do que o antigo curso do rio que, pela erosão, ficou encaixado entre as rochas. Resulta interessante ainda o facto de entre o xisto estarem intercaladas várias camadas de cascalho e areia nas que importa salientar a presença de inúmeros fósseis de bivalves que não se devem às amêijoas utilizadas num arroz de marisco (ou de uma paelha à espanhola!), mas sim, a restos da fauna existente. Evidentemente não estamos perante a planície que o Alentejo evoca porque esta deu lugar a uma paisagem de lombas não muito elevadas, mas que rompem a monotonia. As searas e o montado é substituído progressivamente por um matagal próprio da região termomediterrânica, de clima mais quente e que acusa características mais meridionais, no qual o destaque vai para as estevas, que florescem na Primavera e impregnam com o seu odor o ambiente.

O acesso à cascata era até há bem pouco bem complicado. Na realidade existem duas formas de aceder. A mais fácil e cómoda é pelo concelho de Mértola chegando ate à aldeia de Corte Gafo de Cima e daí até à Amendoeira da Serra onde encontramos ainda cafés e algum restaurante, caso queiramos usufruir da autêntica cozinha alentejana. A partir desta aldeia segue-se a estrada para o Monte das Pias que agora, não sei se felizmente (pelos estragos do turismo maciço), já está pavimentada até à entrada da Herdade do Pulo do Lobo, uma propriedade privada. Lá somos advertidos da existência de um portão que devemos abrir e depois fechar se passarmos tanto a pé como de carro. A distância até ao Pulo do Lobo é de apenas 1,2 km. Para quem gosta de caminhadas, é importante saber que há um lugar antes do portão em que podemos deixar comodamente o carro e o caminho faz-se facilmente na ida, já que é uma descida contínua, mais íngreme no último trecho. Mas a volta pode ser cansativa porque é exactamente o contrário: uma subida contínua, íngreme por vezes. É por isso que há que evitar o Verão, especialmente no pico de mais calor, sendo preferível de manhã cedo ou já a meia tarde. A Primavera é, obviamente, a estação ideal porque é quando o rio apresenta um caudal maior a causa das chuvas invernais e a temperatura é agradável. De carro é fácil ir pela estrada de terra batida. Na realidade, a excepção de um par de pontos em que devemos ter cuidado e passar devagar pela existência de alguns buracos, qualquer ligeiro pode ir sem problemas até ao ponto em que a estrada acaba.

O outro acesso é pela aldeia de Vale do Poço, dividida entre os concelhos de Mértola e Serpa. Daí é possível apanhar uma estrada que chega até Serpa, mas a partir de Cabeceiras do Vale Quinado a estrada é de terra batida e o desvio até ao Pulo do Lobo é uma estradinha de 2 km. em bastante mau estado na qual muitos condutores hesitariam em meter o carro lá. Mesmo de carro, há um ponto em que devemos deixá-lo porque a descida até à cascata é muito íngreme e é somente acessível a pé. A vista da cascata é talvez menos espectacular desta margem, mas a panorâmica inteira do vale vale mesmo a pena.

O mais surpreendente disto, e o Guadiana já deu belas amostras disso, é que apenas uns 10 km. a sul chegamos à capital do concelho: Mértola que merece por si uma visita. Mas ninguém diria, estando na cascata, que podemos dar um belo passeio e ter belas vistas da vila pelo cais onde existem barcos ancorados porque é até este ponto que o rio é navegável e experimentamos um estranho cheiro a maresia porque as marés sentem-se até cá o qual é bem visível das rochas e areais existentes nas margens.

Pulo do Lobo: mais uma razão para explorar este cantinho tão desconhecido do nosso país!


Foto 1. Ponte ferroviária da linha de Moura sobre o Guadiana , entre Serpa e Baleizão (c. de Beja).
Foto 2. Pulo do Lobo com a espuma formada pelas águas do rio.
Foto 3. Lago remanso de águas serenas após a cascata com vistas do vale.
 Foto 4. Vista de conjunto do Pulo do Lobo.
Foto 5. Ponto em que começa a cascata.
Foto 6. Ponto mais estreito da cascata (advirta-se a fotomontagem do lobo a pular!).
Foto 7. Lago visto da cascata.
Foto 8. Acesso ao miradouro.
 Foto 9. Vista da envolvente da cascata. Veja-se o acesso desde Vale do Poço na outra margem.
Foto 10. Vista do vale, entre rochas.
Foto 11. Rio Guadiana encaixado no vale.
Foto 12. Vista do antigo curso do rio.
Foto 13. Outra vista do vale.
Foto 14. Vale do Guadiana visto do acesso do Vale do Poço. Apesar da fraca qualidade da fotografia, advirta-se o antigo curso do rio e o rio encaixado entre as rochas actualmente.
Foto 15. Monte das Pias, perto da Herdade do Pulo do Lobo.
Foto 16. O rio Guadiana em Mértola, visto do cais, sujeito a influência das marés e com barcos ancorados.

 
Vídeo 1. Vídeo de Youtube em que se pode apreciar o Pulo do Lobo no seu esplendor. Embora existam outros, escolhi este por ter uma duração de apenas 1:40 minutos. Não resulta pesado.


Mapa 1. Mapa de situação.

Mapa 2. Mapa específico.


9 comentários:

  1. Simplesmente soberbo! Tenho que conhecer este lugar nas minhas próximas férias!!!! :-)

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    1. Pois é. Realmente não podia deixar de passar a oportunidade de mostrar esta beleza! Quanto a conhecer o lugar, já sabes como ir até lá. ;-) Se, no entanto, precisares de mais informações práticas, não hesites em contactar comigo pelas diferentes vias existentes. Boa Páscoa e boas mini-férias. Eu também darei uma voltinha. Já contactarei contigo por SMS.

      Vemo-nos em breve!

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  2. A minha Páscoa será em Venade, uns diazinhos. Nesta altura do ano, pelo menos na minha aldeia, a Páscoa é uma festa de arromba. Convívio, alegria, reencontros, a visita pascal que dura 2 dias devido à extensão da aldeia (pouco menos de 1.000 habitantes) e à demora que a "cruz" leva em cada casa visitada, onde não falta uma mesa cheia de iguarias e bom vinho verde para animar a malta! :-) É a altura do ano em que mais gosto de estar por lá!

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    1. Em Elvas a festa de arromba costuma ser no S. Mateus, quando têm lugar a procissão até a igreja de N.S. da Piedade, se bem que há quem pense que se deve renovar o espírito da festa para evitar o seu declínio. O Carnaval também costuma ser animado e temos ainda um Festival Medieval em primeiros de Julho.

      Na Póvoa de Varzim, lugar em que tenho parte da minha família, é óbvio que a «festa» é no Verão, quando a cidade enche-se de visitantes, quer sejam turistas, quer sejam emigrantes. Eu gosto imenso porque aliás, para mim tem a temperatura ideal, longe do calor do Alentejo.

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  3. Just a "Hello", congratulations whole-heartedly and a very Happy Easter!
    Häid Lihavõttepühi! / Buona Pasqua!

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  4. Olá boa noite...estive ontem no Pulo do Lobo (fui por Vale do poço), onde fui parar por "pressentimento" e acreditem é daqueles lugares inimaginaveis na face da terra....lindo, genuino, virgem, fenomenal.

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  5. qual o melhor caminho p quem vai de carro?
    tem de se andar mto a pe para ver a cascata?

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  6. Deixo a sugestão de visita
    A minha antiga residência da minha família desde à muitos séculos, `que foi desde Monasterum de Beneditinos a terras de árabes, após o Rei de Córdoba Al Mansor ter chegado instalado e destruir tudo:- Os meus antepassados....
    Visitem então Núcleo Museológico do Monte do Mosteiro...

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    1. PS: Referia-me a Núcleo Museológico do Monte do Mosteiro - Mértola

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