domingo, 16 de novembro de 2008

Sem fronteiras... ou não?: O caso de Juromenha/Vila Real

Num lindo passeio pelas Terras de Olivença cheguei até a aldeia de Vila Real (Villarreal, em espanhol), uma pacata e aprazível aldeiazinha alentejana. Depois de passar um outeiro onde a aldeia fica ao lado esquerdo, a estrada continua até finalizar num pequeno embarcadouro no Guadiana, lugar do qual tomei algumas das fotografias que cá aparecem.

Não é a minha intenção falar em política. Este blogue é totalmente neutral, pelo que não tocarei no assunto da chamada "Questão de Olivença". Mas referirei alguns factos históricos e farei uma chamada de atenção para o facto de haver ou não haver fronteiras.

Vila Real é uma aldeia com menos de 100 habitantes que fica a uns 10 km. de Olivença e frente ao castelo de Juromenha. Como já referimos em outro post, o castelo de Juromenha chegou a ser muito importante, sendo que a própria povoação era a sede de um concelho. Hoje, com pouco mais de 100 habitantes também, é apenas uma freguesia do concelho de Alandroal. O território do concelho de Juromenha abrangia a aldeia de Juromenha, mas também a aldeia de Vila Real, que não pertencia a Olivença, mas à referida aldeia de Juromenha.

Com a Guerra das Laranjas de 1801 e anexação do território a Espanha, a aldeia ficou integrada no concelho ou município (ayuntamiento, em espanhol) de Olivença. E desde então assim foi. A aldeia fica situada num outeiro do qual vê-se a planície toda, incluíndo a aldeia de Juromenha e Olivença, uma planície muito fértil, viçosa, onde não faltam videiras e oliveiras, para além do clássico montado alentejano. Tem, além do mais, uma linda igrejinha, do tipo ermida, dedicada a Nossa Senhora da Assunção, facto que mostra a pegada histórica portuguesa na povoação.

O casario é também típicamente alentejano e é, talvez, uma das aldeias oliventinas onde se conserva melhor, sem alterações, essa herança portuguesa. De facto, uma comparação de duas fotografias de duas aldeias, sendo que uma delas é Vila Real e a outra outra aldeia alentejana qualquer como Juromenha, Vila Boim ou Barbacena (estas últimas, ambas as duas, freguesias e aldeias pertencentes ao concelho de Elvas) faria com que não achássemos qualquer diferença, pelo que seria difícil saber que aldeia fica hoje sob a administração espanhola. Até porque o português continua a ser a língua mais falada na aldeia, para além, é claro, do espanhol.

As fronteiras físicas desapareceram felizmente com a entrada de Portugal e Espanha na União Europeia e a adesão dos dois estados ao Tratado de Schengen, que supus a desaparição dos controlos fronteiriços. Mas neste caso, a fronteira não desapareceu de todo. Continua a haver uma fronteira física entre as duas aldeias, Juromenha e Vila Real: o Rio Guadiana. Se antigamente o gado até podia passar nos tempos da seca pelo rio, hoje, com a construção da barragem de Alqueva é impossível. A única ligação possível é através de barco, numa travessia entre ambos os dois embarcadouros. A não ser, claro, que se queira ir de carro. Mas para isso é precisso dar uma grande volta: de Juromenha até Elvas, de Elvas até Olivença por meio da nova ponte da Ajuda e de Olivença até Vila Real. De embarcadouro a embarcadouro, que ficam a menos de 200 m em linha recta, 43 km., sem mais nem menos. É isso porque desde 2001 existe a nova ponte da Ajuda, porque de não ter sido assim, o percurso seria ainda mais longo, tendo que acrescentar mais uma voltinha até Badajoz.

A solução ideal era construir uma ponte, mas somos muito pessimistas à respeito. Se a nova ponte da Ajuda demorou tanto a ser construída (até 2001) e isso que ligava duas localidades como Elvas e Olivença, para servir a mais de 30.000 habitantes, é difícil pensar em uma ponte para tão poucas pessoas, uma vez que a necessária ponte entre Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana (ver post relacionado) ainda não se construiu, ficando a fronteira de Vila Real de Santo António como a única ligação do Algarve para a Andaluzia. A ponte apresentaria mais dificuldade técnica do que a ponte da Ajuda, já que a barragem de Alqueva alagou parte daqueles terrenos, sendo que esta zona constitui a cauda do Grande Lago, o que faria que o seu comprimento fosse maior (200-300 m. ou talvez mais; não sou muito bom a calcular distâncias. He. He. He.). Para além de comunicar as duas aldeias, também abriria o trânsito para uma ligação directa de Évora com Olivença através do Redondo e do Alandroal, para além das localidades da Extremadura espanhola que ficam para além de Olivença. Mas como não há, é por isso que começei pela pergunta:

Sem fronteiras... ou não?

O que é que acham?

Foto 1. Pôr do sol no embarcadouro de Vila Real sobre o Guadiana com a silhueta de Juromenha.
Foto 2. Castelo de Juromenha visto do embarcadouro de Vila Real.
Foto 3. Vista da planície alentejana e do Guadiana do embarcadouro de Vila Real.
Foto 4. Anoitecer no Guadiana.
Foto 5. Embarcadouro de Vila Real.
Foto 6. Vista geral de Vila Real.
Foto 7. Casario alentejano em Vila Real.
Foto 8. Igreja matriz de Nossa Senhora da Assunção, Vila Real.

Mapa 1. Percurso rodoviário preciso para se deslocar de Juromenha até Vila Real.

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terça-feira, 11 de novembro de 2008

Fortalezas da Raia: Noudar

Uma das fortalezas talvez mais desconhecidas da Raia seja o Castelo de Noudar.

Situado na freguesia e concelho de Barrancos, localidade da que dista uns 10 km., fica mesmo junto da fronteira, situado entre a Ribeira de Múrtega e a de Ardila, na margem esquerda do Guadiana.

Supõe-se uma primitiva fundação nos tempos dos muçulmanos, talvez para o século X ou XI, na linha do caminho que fazia ligação com Beja. Mas será após a sua Reconquista e pelo seu papel de guardião da fronteira que atingirá um papel de mais relevo. Se bem foi reconquistada pelos portugueses, será o rei Afonso X de Castela quem lhe dê foral em 1253, data na qual o território estavam na posse deste reino e fez parte do dote deste rei para D. Afonso III por este ter casado com a sua filha. No entanto, pelo Tratado de Badajoz de 1267, toda a margem esquerda do Guadiana ficou de novo em poder de Castela, já que o próprio rio foi estabelecido como limite fronteiriço, incluindo as fortalezas de Serpa, Moura e Noudar.

Será nosso rei D. Dinis quem consiga a posse definitiva da fortaleza pelo Tratado da Guarda de 1295, entre D. Dinis de Portugal e Fernando IV de Castela, tratado prévio ao Tratado de Alcanices de 1297, pelo qual se definiram as fronteiras entre o nosso país e Castela. Será em Dezembro de 1295 que D. Dinis outorgue foral à localidade, doando-a à Ordem de Avis com a condição de reconstruir o castelo em 1303, obras que acabaram, pelos vistos, em 1308, segundo duas inscrições epigráficas.

A vila receberia um Foral Novo em 1513 de mãos do rei D. Manuel I e pelos vistos constava de barbacãs circundando o castelo segundo indica o Livro das Fortalezas de 1509 de Duarte de Armas. Permaneceria sob a dominação espanhola, para além da época filipina, de 1644 até 1715, aquando da restituição definitiva pela Espanha consoante o estabelecido pelo Tratado de Utrecht de 1713.

O concelho de Noudar foi extinto em 1825, facto que motivou o declínio da povoação que optou por emigrar progressivamente à vila de Barrancos, da qual dependia. O castelo passaria a mãos privadas depois de ser arrematada a sua venda em hasta pública em 1893 e não seria até 1997 que a Câmara Municipal de Barrancos conseguiria adquirir o monumento, desenvolvendo-se desde então um plano de investigação arqueológica.

É, sem dúvida, um recanto com charme, que vale a pena visitar, não tanto pelo castelo, que também, mas sobre tudo pela inebriante paisagem das redondezas, que induz à calma e à reflexão.

Foto 1. Torre de Menagem.
Foto 2. Muralha sul.
Foto 3. Ribeira de Múrtega vista da muralha Oeste.
Foto 4. Muralha Oeste.
Foto 5. Terras espanholas das redondezas (província de Badajoz) vistas do Castelo de Noudar.
Foto 6. Muralha Norte e vista da Ribeira de Ardila.
Foto 7. Interior do Castelo.
Foto 8. Igreja.
Foto 9. Barrancos vista de Noudar.
Foto 10. Meandro da Ribeira do Ardila, sendo que a parte exterior é espanhola.

Foto 11. Planície alentejana vista do Castelo de Noudar.

domingo, 2 de novembro de 2008

Fortalezas da Raia: Ouguela

Ouguela é hoje uma pequena aldeia alentejana de apenas 60 habitantes que pertence à freguesia de São João Baptista, na qual se insere a vila de Campo Maior. Mas apesar de tudo, é uma aldeia com muita História.

Ergue-se, sobranceira, sobre um pequeno outeiro que fica no ponto em que a Ribeira do Abrilongo, um riacho fronteiriço, desagua no rio Xévora, também outro rio fronteiriço afluente do Guadiana, rio ao qual se une uns quilómetros mais abaixo, já em Espanha, onde recebe o nome de Gévora. É uma avançada da fronteira, da que dista apenas uns 3-4 km. no meio dos campos e as planícies do Alentejo.

Parece que já existia algum tipo de povoamento antes da época romana, mas será com os árabes, que fizeram dela uma fortaleza e, sobretudo após a Reconquista Cristã, que vai ter um importante papel, nomeadamente na defesa da fronteira. Ao contrário da maior parte das localidades reconquistadas, Ouguela, como Campo Maior, faz parte da Reconquista leonesa, e não portuguesa. Depois da ocupação de Cáceres em 1229, os exércitos leoneses de Afonso IX de Leão derrotaram os muçulmanos na batalha de Alange em 1230, na localidade do mesmo nome que fica a uns 18 km. de Mérida. Isso possibilitou a conquista do vale do Guadiana, nomeadamente as cidades de Mérida e Badajoz, mas também Campo Maior e Ouguela, de forma que a fronteira ficou mais ou menos estabilizada entre Alegrete e Arronches e no rio Caia no caso do limite com a cidade de Elvas, reconquistada por o nosso rei D. Sancho II em 1226. Enquanto localidade leonesa, pertenceu ao cabido da diocese de Badajoz.

No entanto, a união definitiva de Leão com Castela após a morte do rei leonês com o rei castelhano Fernando III o Santo, vai supor uma travagem à Reconquista da Extremadura espanhola, que só vai finalizar em 1248 quando o último reduto, a aldeia de Montemolín, caiu. A fronteira não ficou estabilizada, apesar dos intentos sucessivos. Portugal esteve na posse do território de Aracena e Aroche até 1253, numa tentativa de dominar os territórios da vizinhança de Sevilha. O Tratado de Badajoz de 1267 fixou as fronteiras no rio Guadiana, com o que Castela ficava com a posse dos castelos de Serpa, Moura e Noudar. A mudança nas circunstâncias, aproveitando as guerras civis em Castela, serviu para que D. Dinis, em 1297, assinasse com Castela o famoso Tratado de Alcañices.

Este tratado terá importantes consequências no território que estamos a estudar: o novo limite implicava a devolução dos castelos de Serpa, Moura e Noudar. D. Dinis vai tentar ficar com a cidade de Badajoz, o que não vai conseguir, mas conseguiu os territórios que ficavam a volta dela: as Terras de Olivença e Táliga e Campo Maior e Ouguela, que rodeavam quase completamente à cidade. Já no ano seguinte Ouguela terá uma Carta de Foral, com importantes privilégios, mas também se determinou a reedificação das muralhas e da fortaleza. Construiu-se a cerca nas décadas seguintes e em 1420 o rei D. João concedeu o privilégio de couto de homiziados com o objecto de favorecer o seu repovoamento.

Alguns acontecimentos históricos aconteceram aqui que cumpre salientar. Em 1475, no marco da guerra civil que havia em Castela entre os partidários da rainha Isabel e os partidarios de Joana, a Beltraneja, filha de Joana de Portugal, esposa de Enrique IV de Castela e filha do rei D. Duarte. Um dos incidentes fronteiriços levou ao alcaide-mor de Ouguela, João da Silva, e o alcalde-mor de Alburquerque, vizinha vila espanhola, a uma confrontação entre eles, morrendo ambos os dois.

Em 1512 D. Manuel I deu-lhe Foral Novo e assim seguiu até a Guerra da Restauração. Ouguela ficava na primeira linha de ataque pelo que se determinou no Conselho de Guerra a modernização das muralhas, dando-lhe um carácter abaluartado, segundo projecto de Nicolau de Langres. Mas o episódio talvez mais espantoso da sua História foi a tentativa de ocupação espanhola em 1644 com a ajuda de um traidor, João Rodrigues de Oliveira, que tinha desempenhado cargos importantes no Brasil e que se passou aos espanhóis. No entanto, a perícia dos soldados portugueses, que viram o movimento das tropas espanholas, evitou a queda da praça em mãos espanholas. A resistência foi dura, mas os soldados conseguiram avisar o governador da praça e improvisar uma defesa apressada na qual, como não podia ser de outra forma, participaram com heroicidade mulheres, entre as quais o destaque vai para Isabel Pereira. Tras um forte ataque espanhol, os portugueses conseguiram resistir e os espanhóis tiveram de se retirar não sem algumas baixas e muitos feridos.

Depois deste episódio, Ouguela continuou a viver a sua existência como praça fronteiriça, com revelim e baluarte, resistindo a novas invasões espanholas, nomeadamente as de 1762 e 1801.

No entanto, após a Guerra Peninsular, Ouguela perdeu a sua importância. Os projectos de recuperação da fortaleza nunca vieram se concretizar e Ouguela perdeu na reforma administrativa de 1836 o seu estatuto de concelho, passando a integrar-se no de Campo Maior e sendo desmilitarizada em 1840. O seu declínio continuou até hoje, que o demonstra o facto de ter sido anexada à freguesia de S. João Baptista em 1941 como mero lugar. Na actualidade é uma aldeiazinha alentejana na que a maior parte da população vive extra muros.


Foto 1. Entrada à fortaleza de Ouguela.
Foto 2. Igreja de Ouguela encastrada nas muralhas.
Foto 3. Quartel de cavalaria.
Foto 4. Interior das muralhas. Ouguela intra muros.
Foto 5. Casa intra muros de 1799.
Foto 6. Revelim e vista da aldeia extra muros.
Foto 7. Planície alentejana e extremenha com a vila de Alburquerque ao fundo.
Foto 8. Planície do vale do Guadiana. Igreja de Nossa Senhora da Enxara no primeiro plano e Vegas Bajas (vale do Guadiana entre Mérida e Badajoz, Espanha) a seguir.


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