sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Fronteiras: Barca d'Alva/Vega de Terrón

No Parque Natural do Douro Internacional, no limite entre as regiões de Trás-os-Montes, a Beira Interior e a província de Salamanca, num espectacular recanto, situa-se a fronteira de Barca d'Alva. Esta fronteira tem algo de mágico, talvez pelo facto de se encontrar ali a velha linha de comboio que dá ao lugar um certo ar decadente mas, ao mesmo tempo, muito charmoso.

Barca d'Alva era o ponto de chegada da Linha do Douro, essa linha que atravessa uma das mais lindas regiões de Portugal: o Douro Vinhateiro. Uma viagem que vale mesmo a pena, a combinar até com os cruzeiros que fazem passeios pelo rio, enquanto é possível ficar num desses solares fantásticos a se deliciar em provas de vinho ou simplesmente descontrair e relaxar. Uma linha que custou as economias da burguesia da Invicta, que nunca mais se recuperou, no seu intento de comunicar-se com o resto da Europa, garantindo assim a ligação com Salamanca.

Infelizmente, uma decisão unilateral do Governo espanhol, a linha Salamanca-La Fregeneda encerrou em 1985, obrigando assim ao encerramento do troço entre Barca d'Alva e o Pocinho em 1988, actual ponto final da linha. Começou assim um declínio continuado na aldeia, que vivia por e para o trânsito ferroviário, acabando por morrer grande parte do comércio local. A velha ponte de ligação com Espanha ficou a definhar, apanhando ferrugem...

O lugar é espectacular porque o Douro faz uma curva na que entra definitivamente em Portugal, deixando atrás a parte internacional, das chamadas Arribas. Arribas que se prolongam no rio Águeda que desagua mesmo lá, a uns metros da ponte ferroviária, e servindo como limite fronteiriço. Lá do lado espanhol, situa-se o embarcadouro de Vega de Terrón, pertencente ao concelho de La Fregeneda, na província de Salamanca, e ponto mais baixo da região leonesa, depois de cerca de 100 km. de troço compartilhado em que a altitude desce dos 700 m. a menos de 200, sendo que há pontos em que a descida é de até 8 m. num quilómetro de comprimento.

Mas nem tudo é negativo. A conversão do Douro num espaço navegável, graças às eclusas das sucessivas barragens do rio, tem sido um bom contributo ao desenvolvimento turístico da região, sendo hoje possível fazer percursos de viagem do Porto até Vega de Terrón (excursão a Salamanca incluída). Sem dúvida, esta pujança do sector turístico numa área que, para além da agricultura, não tinha grandes possibilidades de desenvolvimento, terá sido a principal razão para o recente anúncio do Governo da sua intenção de avançar com a reabertura da linha ferroviária entre o Pocinho e Barca d'Alva, o que significa que a batata quente passa agora para o lado de Espanha, uma vez que os municípios afectados da província de Salamanca são a favor de reabrir o troço entre Barca d'Alva e a cidade charra (charros é o nome que recebem os habitantes de Salamanca).

Entretanto, foi construída uma ponte rodoviária entre La Fregeneda e Barca d'Alva que abriu ao trânsito em 1999, comunicando assim duas aldeias que não tinham, às portas do século XXI, nem uma ligação digna da modernidade que tanto gostam os políticos de apregoar.

É, sem dúvida, uma região que vale a pena conhecer, com um microclima específico que favorece o cultivo da oliveira (não esqueçamos que a norte fica a Terra Quente transmontana, onde se fazem alguns dos melhores azeites do mundo), a amendoeira (giríssima em flor) e, em geral, árvores do pomar, no meio de uma paisagem abrupta, com fortes descidas onde a natureza regala-nos cantinhos absolutamente espectaculares.

Foto 1. Rio Douro em primeiro plano, com Foz Águeda e a ponte ferroviária ao fundo.
Foto 2. Vista do Douro e Barca d'Alva, com a antiga estação do comboio.
Foto 3. Ponte sobre o Douro, que liga o distrito de Bragança com o distrito da Guarda.
Foto 4. Fronteira portuguesa vista da nova ponte sobre o Águeda.
Foto 5. Ponte fronteiriça e fronteira espanhola de Vega de Terrón/La Fregeneda (Salamanca).
Foto 6. Rio Águeda visto do lado português, com as terras de Salamanca do outro lado.
Foto 7. Nova ponte rodoviária transfronteiriça.
Foto 8. Decadência do troço internacional da Linha do Douro.
Foto 9. Foz Águeda, Embarcadouro de Vega de Terrón, do lado de Espanha, rio Douro e as serras transmontanas além rio.
Foto 10. Decadências charmosas: Velha ponte ferroviária internacional com ferrugem. Perspectiva.
Foto 11. Outra perspectiva da ponte ferroviária.
Foto 12. Vista geral da região na estrada para Escalhão.


Ver Barca d'Alva num mapa maior

Mapa 1. Mapa de situação da região com ponto indicador da fronteira.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

«Povos promíscuos»: Soutelinho da Raia

Num extremo do concelho de Chaves, no meio de uma pequena planície, situa-se a freguesia e aldeia de Soutelinho da Raia. Nada teria de particular a não ser por dois motivos (embora se me ocorram mais alguns): 1-É uma aldeia raiana, e 2-Trata-se de um dos chamados «povos promíscuos».

Como foi referido no caso de Lamadarcos, Soutelinho da Raia faz parte junto com esta aldeia e mais a de Cambedo, do conjunto de aldeias chamadas de «povos promíscuos» pelo Tratado de Limites de Lisboa de 1864, tratado que veio a corrigir uma situação de indefinição de fronteiras nesta região do Alto Tâmega. Tratava-se de três aldeias onde a fronteira ia pelo meio delas, dando lugar a uma confusão administrativa que foi aproveitada pelos seus habitantes para fugir a certas obrigações (impostos, tropa,...). Com este tratado de limites, a totalidade das mesmas passou a formar parte de Portugal, pelo que a fronteira avançou nesse sentido de modo a ficarem abrangidas pelo território português.

No caso de Soutelinho da Raia, a fronteira ficou estabelecida praticamente à saída da aldeia, sendo, das três, a que tem a fronteira mais perto, como mostram as fotografias que seguem. Talvez por ficar longe do pólo económico do Alto Tâmega que é Chaves, Soutelinho da Raia soube manter melhor a sua herança, quer em património histórico, quer em património etnográfico, de forma que é uma aldeia que teve poucas alterações relativamente à vida moderna como outras aldeias da região onde há um contraste muito forte entre as casas dos emigrantes, nomeadamente na França, e as casas dos que ficaram, muitas vezes deturpadas por modernices que não condizem com o aspecto rústico da casa, enquanto outras casas foram deixadas, infelizmente, ao abandono e degradação. É por isso que visitar hoje Soutelinho é voltar às essências de antigamente, às essências de um mundo já esquecido que nunca voltará.

A aldeia fica estrategicamente situada a meio caminho entre Chaves e Montalegre, sendo que resulta uma alternativa à EN 103, que atravessa zonas mais montanhosas, no trânsito entre o planalto do Barroso e o vale do Tâmega. Existe ainda um acesso à aldeia galega de Videferre, no concelho de Oimbra, com ligações também para Verín, na província de Ourense, cabeceira do Alto Tâmega galego.

A força da tradição é bem patente na aldeia e uma amostra disso, para quem desejar ter mais informações, é o blogue de um natural de lá, que pode ser consultado aqui. Sem dúvida, uma região a descobrir, quer pelos seus encantos naturais, quer pela sua riqueza etnográfica.

Foto 1. Aldeia de Soutelinho da Raia vista da estrada entre Meixide e Vilar de Perdizes com as serras galegas vizinhas ao fundo.
Foto 2. Fronteira de Soutelinho da Raia. A mudança de piso indica o limite fronteiriço. À direita, o Posto Fiscal, quando ainda existiam as alfândegas.
Foto 3. Marco fronteiriço na estrada a Videferre, junto do Quartel da Guarda Fiscal. A lenha não se importa muito de que lado da fronteira se encontra...
Foto 4. Limite fronteiriço ao outro lado do Posto Fiscal.
Foto 5. Rua do Quartel vista da fronteira.
Foto 6. Fronteira galega vista do Posto Fiscal.
Foto 7. Marco fronteiriço visto da Rua da Fonte Fria. Divide um único campo de lavoura.
Foto 8. Rua Direita, rua principal da aldeia, com a clássica calçada portuguesa.
Foto 9. Largo do Cruzeiro.
Foto 10. Rua do Rego e vista da Igreja Matriz.
Foto 11. Igreja Matriz de Soutelinho da Raia.
Foto 12. Capela do Senhor dos Desamparados e casas de pedra de Soutelinho.
Foto 13. Vista geral do planalto e da Serra do Larouco, nos arredores de Soutelinho, já em terras galegas.
Foto 14. Caminho de Videferre, já na Galiza.


Ver Soutelinho da Raia num mapa maior
Mapa 1. Soutelinho da Raia com indicação do limite fronteiriço.

Já voltei!

Bom. Já voltei. Não que me tenha esquecido deste querido blogue, mas estive de férias e depois tive de atender alguns compromissos profissionais que me mantiveram afastado da oportunidade de compartilhar convosco mais coisas sobre este esquecido mundo raiano.

Fiquei muito grato em saber que já tinha ultrapassado os 10 000 visitantes. Nunca pensei que este tipo de questões atraísse a tantas pessoas pois achava que isso era coisa de freakies como eu. Afinal é bom saber que não se está só no mundo...

Queria também aproveitar a ocasião para dar as boas-vindas aos meus novos amigos, Rabal e Ibérico por terem aderido ao grupo de amigos. É um prazer contar com pessoas que lêem as modestas linhas que eu escrevo cá e que decidem perder uma parte do seu tempo nisso.

Também tenho visto os comentários que me chegaram neste tempo. Mais uma vez ,obrigado a todos eles. Para mim é um prazer fazer alguma coisa em falar sobre o mundo raiano, tão longe das grandes urbes e que raramente sai nos jornais, mas que, ao meu modo de ver, ainda mantém a essência do autêntico na maior parte dos casos.

Embora ainda vou-me manter muito ocupado, tentarei fazer o meu melhor quanto a novas mensagens.

Espero que gostem!