sábado, 24 de janeiro de 2009

Lamadarcos e os povos promíscuos

No limite com a Galiza, no concelho de Chaves, situados na região do Alto Tâmega, existem umas aldeias que foram conhecidas pelo nome de "povos promíscuos". Trata-se das aldeias de Lamadarcos (oficialmente Lama de Arcos), Cambedo e Soutelinho da Raia. Não é a minha intenção falar hoje do que foram esses "povos promíscuos" nem da sua História. Simplesmente direi, por enquanto, que se trata de umas aldeias que, por séculos, ficaram divididos pela linha divisória da Raia, fazendo com que houvesse uma mistura entre galegos e portugueses, o que favorecia, aliás, o contrabando e uma adscrição a uma ou outra nacionalidade dependendo das circunstâncias. Foi o Tratado de Limites de Lisboa de 1864 que pôs fim a esta situação, ficando Portugal na posse definitiva das aldeias, em troca do Couto Misto, território do qual falaremos em outra ocasião.

Uma dessas aldeias era Lamadarcos, onde a fronteira passa a menos de 200 m. da localidade. É uma aldeia com duas igrejas e o casario é o típico da região do Alto Tâmega e da Galiza, com a presença do granito como material de construção. É mesmo uma aldeia raiana, não apenas pelo facto de a fronteira discorrer a poucos metros da mesma, mas também porque o acesso à localidade é feito a través de uma estrada que começa a apenas pouco mais de 100 m. da fronteira de Vila Verde da Raia/Feces de Abaixo, muito utilizada no trânsito local e nas comunicações entre Chaves e Verín.

De resto, é uma aldeia rural da região, sem outra característica própria que a de ter sido um dos chamados "povos promíscuos". Eis aqui umas fotos tomadas numa fria tarde de inverno onde uma sopinha bem quente vinha mesmo a calhar e um entrecosto de porco com batata assada no forno e arroz e uma maçã assada com canela e vinho do Porto que fazia parte da ementa da qual tive o prazer de me deliciar!

Foto 1. Campos de Lamadarcos, mesmo no fundo da aldeia. A casa da fotografia é a última da aldeia e fica já no meio das serras galegas vizinhas.
Foto 2. Pôr do sol de inverno em Lamadarcos.
Foto 3. Casario tradicional em Lamadarcos.
Foto 4. Vista geral da aldeia com a Igreja matriz.
Foto 5. Ponte fronteiriça vista do lado de Portugal.
Foto 6. Ponte fronteiriça vista do lado da Galiza.
Foto 7. Aldeia de Lamadarcos vista da fronteira.

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Mapa 1. Mapa de situação dos "povos promíscuos".

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Mapa 2. Lamadarcos no seu contexto geográfico.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Fronteiras: Petisqueira/Villarino de Manzanas

De certeza que os meus caros leitores terão achado em falta novos tópicos durante estas semanas. Pois é! Com o Natal, aproveitei para ver a família que tenho em outras partes do país e do estrangeiro e, é claro, não tive ocasião de actualizar este blogue. Mas não me mantive inactivo. As viagens foram também uma oportunidade de poder conhecer ou voltar a lugares da Raia, por vezes esquecidos, mas que também resultam muito interessantes.

Um destes lugares, que não é fronteira nem nada, é a "fronteira" entre a Petisqueira e Villarino de Manzanas. Meto o termo 'fronteira' entre aspas porque realmente é apenas um caminho de terra batida e uma ponte de cimento no meio do rio Maçãs/Manzanas, mas que é muito útil, sobre tudo quando a outra opção de chegar de carro da Petisqueira até Villarino ou viceversa é fazê-lo pela fronteira de Quintanilha, o que representa um percurso de 55 km. contra um que não chega nem a três.

Trata-se de uma região muito esquecida, tanto do lado de Portugal como do lado de Espanha. Villarino de Manzanas é, junto com Riomanzanas, uma das aldeias mais apartadas da civilização na comarca zamorana de Aliste, região que foi portuguesa nos tempos do primer rei português, D. Afonso Henriques. A Petisqueira, por sua vez, faz parte da freguesia de Deilão, junto com esta localidade e a vizinha Vila Meã, dentro do extenso concelho de Bragança. Trata-se de uma aldeia muito pequena, com apenas 20 moradores, mas muito interessante do ponto de vista etnográfico e linguístico.

A zona faz parte da região da Lombada, um território caracterizado pelas altas planícies e lombas existentes que atingem os 959 m. de altitude perto de S. Julião de Palácios. A nascente fica uma fronteira limitada pelo rio Maçãs (ou Manzanas, em espanhol), afluente do Sabor, que por sua vez, é um afluente do Douro. O início de tal raia 'húmida' é precisamente uns 200 m. acima deste ponto fronteiriço. O rio servirá de fronteira até a sua entrada definitiva em Portugal águas abaixo de Paradinha e Latedo, entrando no concelho de Vimioso. Nesta parte o rio fica já levemente encaixado entre montanhas, mas com o decorrer do mesmo, as encostas são mais íngremes e adquirem a aparência de 'arribas' tal como no troço do Douro Internacional.

Do ponto de vista histórico não há muitas notícias sobre a região pelo menos quanto às suas prováveis origens e também não sabemos muito bem se o território sempre esteve na posse de Portugal ou não. As Inquirições de D. Afonso III em 1258 mostram que o território já fazia parte do nosso país. Para quem não saiba o quê são as Inquirições, simplesmente dizer que foram uns inquéritos (inquisitiones) feitas por diversos reis de Portugal com o fim de arrecadar informação sobre os seus domínios, nomeadamente naqueles casos onde se suspeitava que tinham havido usurpações de direitos reais relativamente aos impostos, como aliás, se verificou em inúmeras ocasiões nestas terras de fronteira. O povoamento parece ter estado relacionado com mosteiros leoneses, designadamente o mosteiro de S. Martinho da Castanheira, um mosteiro benedictino situado na vizinha região da Sanábria (Seabra), junto do lago do mesmo nome, e que esteve, em Portugal, na posse de diferentes propriedades em diferentes aldeias do concelho de Vinhais e Bragança como também na Terra de Miranda.

Daí que etnográficamente, apesar de separados pela fronteira, a Sanábria e a Lombada compartilhem alguns elementos comuns. O mesmo se pode dizer quanto à língua. Se bem que o português é falado nesta região enquanto língua nacional, também se fala (ou se falava) o chamado dialecto maçaneiro, que faz parte de um conjunto de falares chamados , pela sua situação geográfica, falares raianos, e que não são de origem portuguesa mas sim leonesa ou, melhor dito, asturo-leonesa. Se bem que não quero agora falar nisso, já que tenciono fazê-lo num 'post' específico sobre a questão, baste dizer que se verificam muitas interferências entre o português e o asturiano ou astur-leonês nesta região, como aliás, seria de esperar.

É, sem dúvida, uma região muito interessante, povoada por gente simples, mas amável e aberta com o visitante. Mas com estes dias de frio que estamos a passar, talvez deviamo-nos deliciar com uma sopa de couve nabiça quente e uma boa posta de vitela mirandesa, não acham? Pois é!

Foto 1. Marco fronteiriço situado na parte espanhola do rio Maçãs/Manzanas.
Foto 2. Rio Maçãs visto do próprio limite fronteiriço, a Sul. Portugal fica à direita e Espanha à esquerda.
Foto 3. Rio Maçãs visto a Norte. Portugal fica à esquerda e Espanha à direita.
Foto 4. Parque de merendas existente na parte espanhola.
Foto 5. Estrada de ligação entre a fronteira e a Petisqueira. É também a entrada para o Parque Natural de Montesinho.

Foto 6. Ponte sobre o rio Maçãs e ponto fronteiço.


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Mapa 1. Mapa de situação.