domingo, 30 de junho de 2013

Aldeias raianas: Cacela Velha (f. de V. N. de Cacela, c. de VRSA)

Se bem que não é uma aldeia que fique exactamente na linha de fronteira, faz parte do concelho raiano de Vila Real de Santo António (VRSA). Cacela Velha surpreende o viajante pela beleza das paisagens e do seu património, especialmente nos dias de Primavera, quando ainda não chegou a multidão de turistas que costumam abarrotar a região do Sotavento algarvio no Verão.

Cacela Velha, antigamente conhecida como Sítio da Igreja, parece ter sido um ponto de encontro de civilizações já na Antiguidade, já que há quem relacione a localidade com feitorias da época dos fenícios, no século VII e VI a.C. Importa salientar o facto de ser um lugar situado em altitude, numa elevação arenítica à frente da Ria Formosa, sendo que a vista da albufeira é simplesmente espectacular. Não admira, pois, que tenha sido um lugar cobiçado pela sua posição estratégica entre a foz do Guadiana e Faro.

Tendo sido ocupada na época romana, conhece uma etapa de esplendor sob a ocupação muçulmana, quando a região era conhecida como o al-Gharb al-Ándalus, isto é, o Ocidente do Andaluz, designadamente na época do Califado de Córdova, no século X, quando era conhecida por Hisn-Qastallah, nome do qual deriva o actual Cacela. Desta época sabemos que existiam algumas fortificações e uma economia baseada na pecuária (o nome árabe significa 'pastagem de gado') e nas actividades piscatórias.

A Reconquista portuguesa virá em 1240, dois anos após a reconquista de Castro Marim, por D. Paio Peres Correia (fundador da Aldeia de Paio Pires, na margem sul do Tejo, junto ao Seixal), tendo-lhe sido concedido foral pelo rei D. Dinis em 1283, estendendo-se pelo interior do actual concelho de Castro Marim, até à foz do Odeleite, afluente do Guadiana. No entanto, a pirataria e uma linha de costa que foi sofrendo as alterações devidas ao assoreamento da Ria Formosa nesta parte, fez com que a população fosse aos poucos retirando-se para o interior, mantendo-se apenas a fortaleza ou castelo onde morava o comendador, a igreja, as casas do prior, as casas da câmara e o pelourinho, ficando a população fora da vila.

O terramoto de 1755 e a fundação de VRSA em 1775 assestaram o golpe final com a incorporação do município por trasladação à nova vila. A região ficou reduzida a freguesia do concelho. O último acontecimento de importância foi o desembarque de uma pequena força liberal sob o comando do Duque da Terceira em 1833 aquando das guerras entre liberais e miguelistas que conseguiram libertar o Algarve e o Alentejo. Hoje Cacela Velha é uma pacata aldeia cuja paz é só perturbada pelas hordas de turistas que a invadem na época estival. Mesmo assim, vale a pena visitar!


Foto 1. Entrada à fortaleza.
 Foto 2. Ria Formosa vista de Cacela Velha na direcção de Tavira.
Foto 3. Fortaleza de Cacela Velha com vista à Ria Formosa na direcção da Manta Rota e VRSA.
Foto 4. Muralha da fortaleza com vistas para a Península de Cacela.
Foto 5. Perspectiva da fortaleza e da igreja matriz.
Foto 6. Fachada da Igreja Matriz.
 Foto 7. Largo Ibn Darraj al-Qastalli (poeta árabe de Cacela Velha).
Foto 8. Largo visto da Igreja Matriz com a Casa do Pároco ao fundo.
Foto 9. Casas típicas algarvias.
Foto 10. Casas da Câmara.
Foto 11. Casas típicas algarvias na entrada à aldeia.
Foto 12. Vista geral de Cacela Velha.


Mapa 1. Mapa de localização.

Mapa 2. Mapa de situação.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Aldeias da Raia: Paymogo (Região do Andévalo, Huelva, Andaluzia

Depois de um período de inactividade, volto hoje com uma nova entrada. A verdade é que estive a fazer pesquisas e andei pela Raia à procura de novas informações e novas experiências, das quais darei conta aos poucos, até porque o meu trabalho levou-me à Torre do Tombo e à Biblioteca Nacional em Lisboa, encontrando-me com documentos antigos que falam da Raia e que resultam altamente interessantes.

Mas agora vamos directos ao assunto. A raia seca entre o Baixo Alentejo e a Andaluzia é uma raia onde rareia a população e temos a sensação de estarmos por vezes no meio de nenhures. A paisagem de montado de ambos os lados da fronteira e a quase ausência de habitações para além das localidades raianas acentuam essa sensação.

Paymogo é uma dessas localidades. Situada entre Rosal de la Frontera e El Granado, é a única aldeia fronteiriça entre estas com apenas pouco mais de 1 300 habitantes e e ainda o ponto de ligação para São Marcos, na «não-fronteira» que cruza a ribeira de Chança, já que a ponte de ligação na teoria não é possível cruzá-la, se bem na prática o acesso a ligeiros não oferece nenhuma dificuldade. Isto porque como já referimos noutra entrada, realmente faltam alguns remates que inexplicavelmente não se têm realizado.

A localidade forma parte da região do Andévalo, um amplo território da província de Huelva, na Andaluzia, que serve de transição entre a planície costeira do Baixo Guadiana e as Serras de Aroche e Aracena. Na sua parte ocidental, a ribeira de Chança indica a linha de fronteira, sendo que o único posto fiscal durante décadas foi o do Ficalho e Rosal de la Frontera, tendo-se entretanto aberto em 2008 a ligação entre o Pomarão, limite extremo do Guadiana, quando volta já a ser de novo internacional, e tradicional saída do minério das Minas de São Domingos, no concelho de Mértola, por intermédio da navegação fluvial já que as marés permitem barcos com o suficiente calado para o transporte contínuo de mercadorias. 

Paymogo fica a menos de oito quilómetros da linha de fronteira, mas contudo, esta parte da Raia pode ser definida, pelas razões expostas, como Raia morta, com escassas relações transfronteiriças (algum contrabando no pós-guerra nas décadas de quarenta e cinquenta), o que não quer dizer que não existam em forma de feiras ou romarias em dias pontuais (caso da Feira Transfronteiriça do Gurumelo (um tipo de cogumelo próprio da região raiana da Extremadura espanhola, Alentejo e Andaluzia) criada em 2004 para incrementar as relações de boa vizinhança com a vizinha Mértola), mas não de forma habitual e contínua. A sua história parece estar ligada, como tantas outras localidades situadas em zonas de pouca população, à conquista do território pela Ordem do Templo, no século XIII e seu nome terá sido de origem portuguesa, vindo da adição das palavras luso-latinas pagus e mogo, que literalmente significa «aldeia que fica na fronteira». Existe ainda, uma versão lendária que faz derivar o nome de um alegado irmão de Guzmán (Gusmão) el Bueno, nobre castelhano famoso pela sua defesa de Tarifa, no estreito de Gibraltar, tendo preferido a morte do seu filho que tinha sido capturado no cerco da localidade pelos Merínidas à entrega da fortaleza. que teria sido xamã por estas terras, sendo chamadas «país del mago», deturpandose a «paimago» e daí a «paymogo». De salientar ainda que até ao século XIX a aldeia mantinha o nome de Paimogo, tendo mudado para Paymogo nessa altura.

A sua posição fronteiriça influenciou a sua história, como é óbvio. O destaque vai para a Igreja-Castelo de Santa María Magdalena, que ocupa o espaço interior do antigo castelo do século XV que teve de ser reconstruído aquando da Guerra da Restauração em meados do século XVII, restando alguns baluartes na actualidade. Não sendo uma aldeia com muito património histórico, é possível ver ainda algum solar como a Casa de Manuel María de Soto Vázquez, da família dos De Soto, e um clássico casario andaluz da região, com casas brancas caiadas e janelas com grades com azulejos na fachada até um terço da porta aproximadamente, se bem que também existem casas sem azulejos, completamente brancas ou com linhas amarelas que nos lembram as casas do Alentejo. Como não podia ser de outra forma, existem na localidade os clássicos bares de cañas y tapas, nos quais podemos tomar uma cerveja fresca acompanhada de algum petisco da região, designadamente de porco preto ibérico.

A localidade pode ser visitada de Portugal num percurso a partir de Mértola, incluindo o Pomarão, Minas de São Domingos e o famoso Pulo do Lobo e de Espanha a partir de Rosal de la Frontera, El Granado e, um bocadinho mais longe, Sanlúcar de Guadiana, já à frente de Alcoutim. Ou combinar ambos os percursos que permitem conhecer o Alentejo mais profundo e a Andaluzia menos turística mas não por isso menos autêntica.

Foto 1. Igreja-Castelo de Santa María Magdalena.
Foto 2. Vista da igreja e de um dos baluartes.
Foto 3. Vista de outro dos baluartes existentes e da planície do Andévalo.
Foto 4. Paymogo visto da igreja-castelo.
Foto 5. Uma rua de Paymogo com vista à igreja.
Foto 6. Outra rua de Paymogo.
Foto 7. Casas típicas de Paymogo.
Foto 8. Ribeira de Chança vista do lado espanhol.


Ver Aldeias da Raia: Paymogo num mapa maior
Mapa 1. Mapa de localização.


Ver Aldeias da Raia: Paymogo num mapa maior
Mapa 2. Mapa específico.