domingo, 31 de janeiro de 2010

Fronteiras: Vale de Frades/Villarino Tras la Sierra

Uma das fronteiras menos conhecidas do Nordeste Transmontano e da província de Zamora é talvez a fronteira que liga Vale de Frades, no concelho de Vimioso, com a aldeia de Villarino Tras la Sierra, também conhecida como Vilarinho, na região de Aliste. Não admira o facto tendo em conta que a estrada alcatroada desde ambos os lados da fronteira é muito recente como pode ver-se nas fotografias que se seguem.

Nesta região, onde a maior parte da população são idosos que ainda conservam muitas das tradições antigas, o destaque vai para a natureza e o património. A paisagem move-se na alternância entre planaltos e pequenas serras que em nenhum caso chegam a ser impedimento para as comunicações. A Oeste, o rio Maçãs, fronteiriço numa parte do seu percurso, contribui para um relevo mais montanhoso lembrando-nos a paisagem de arribas do Douro em pequena escala.

O património é sobretudo património etnográfico, com casas de pedra, vedações para os campos em que se usam lajes de granito, se bem tem sido alterado com a «modernidade» como são as casas dos emigrantes que em nome da comodidade têm respeitado muito pouco o património tradicional. Infelizmente é uma coisa que se dá em todo o lado, não sendo exclusiva desta região. Este é, precisamente, um dos perigos da globalização, no sentido de que apaga muitas das particularidades regionais em nome de uma alegada «eficiência». Um edifício moderno, digamos, do tipo arranha-céus de vidro e metal pode causar impacte. Mas, será que depois de ver diferentes variações do mesmo tipo em meio mundo vamos ficar mesmo impactados? No entanto, a arquitectura tradicional sempre vai ter o encanto de ser diferente em todo o lado, em observarmos as subtilezas das pequenas mudanças consoante o território, mesmo dentro da mesma região. Afinal, não é o mesmo a casa tradicional na Terra de Miranda do que em Vinhais, a casa alentejana do Alto Alentejo do que a casa alentejana do Baixo Alentejo, as casas do Alto Minho do que as casas da Beira Litoral. Não terão, porventura, mais a ver as casas tradicionais da região alistana com as do Nordeste Transmontano?

É por isso que estas viagens pela Raia têm esse sabor do esquecido: fazem-nos transportar, em questão de segundos, para outros mundos, porque, sim, há outros mundos para além de Lisboa, de Madrid, do Porto, de Badajoz, tão longe e tão perto ao mesmo tempo. Longe das nossas mentalidades, perto fisicamente de nós. Não que esteja a abominar da modernidade. Senão não estaria a usar a Net. Mas é sim uma chamada de atenção para essa febre utilitarista que nos rodeia na que tudo tem de ser prático e útil em termos económicos: a formação académica, as línguas que aprendemos, os investimentos, etc., esquecendo muitas vezes que não serve de nada tudo isso se não valorizamos as coisas, as usufruímos, que para além do útil, está o prazer estético de se deliciar naquilo de que gostamos: uma pintura, uma especialidade gastronómica, as paisagens como as das fotografias, o simples cheiro da lenha queimada num dia de chuva de Inverno como tive a oportunidade de desfrutar nestas aldeias raianas de Vale de Frades e Vilarinho, longe das multidões e de ruralismos pré-fabricados ao gosto do consumidor... tantas e tantas coisas!

Vale de Frades e Vilarinho representam as coisas simples, às vezes sem nada de especial, mas que, a pouco que se procure, escondem lá os seus encantos. É por isso que gosto sempre de ilustrar com fotografias. Deixem-se levar pela sua imaginação e desfrutem. É tão simples quanto isso!

Foto 1. Fronteira portuguesa vista do lado de Espanha.
Foto 2. Fronteira espanhola vista do lado de Portugal.
Foto 3. Marco fronteiriço.
Foto 4. Serras da fronteira, com vistas da aldeia alistana de Latedo ao fundo.
Foto 5. Vista do planalto entre o concelho de Vimioso e Vilarinho. A Raia fica algures no meio do planalto. A fotografia foi tomada «Trás-da-Serra» que separa Vilarinho do resto da região de Aliste.
Foto 6. Vista do planalto e das serras entre Vilarinho e Vale de Frades.
Foto 7. Vedação em lajes de pedra de granito em Vilarinho (comum a ambos os lados da fronteira).
Foto 8. Vista geral de Vale de Frades com as videiras em primeiro plano.
Foto 9. Vilarinho vista do Vale de Frades. Giesta-das-vassouras em primeiro plano.


Ver Fronteira: Vale de Frades/Vilarinho num mapa maior

Mapa 1. Mapa de situação.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Fronteiras: Cambedo da Raia

Na região do Alto Tâmega, na freguesia de Vilarelho da Raia, concelho de Chaves, encontramos entre montanhas, a pequena aldeia de Cambedo da Raia. A aldeia não seria mais do que uma típica aldeia transmontana se não fosse pela sua situação fronteiriça e pelas circunstâncias históricas que a rodeiam.

Cambedo é, como foi dito, um dos chamados «povos promíscuos» juntamente com Lamadarcos e Soutelinho da Raia. Ao contrário das outras duas aldeias, no Cambedo havia uma predominância dos fogos espanhóis relativamente aos portugueses pelo que no início, quando começaram os trabalhos da comissão para a delimitação da fronteira segundo o Tratado de Limites de 1864, a ideia que se estava a equacionar era a da anexação da aldeia a Espanha, sendo que as outras duas passariam a mãos portuguesas pro indiviso. No entanto, como surgiu a questão do chamado Couto Misto, do qual teremos oportunidade de falar mais logo, a solução foi a passagem das três aldeias a Portugal em troca do Couto Misto, que passou para Espanha, a integrar na província galega de Ourense. Daí, em 1868 a aldeia passou a ser portuguesa, se bem os contactos de um e do outro lado da fronteira continuaram como foram desde havia séculos.

Outro episódio histórico muito desconhecido pela maior parte dos portugueses e também pela maioria dos espanhóis são os acontecimentos de 1946 relacionados com os movimentos guerrilheiros do maquis. Os maquis, para quem não saibam, eram guerrilheiros anti-fascistas que lutavam contra o regime de Franco após a Guerra de Espanha depois de 1939. Eram conhecidos pelas suas ideias de esquerda e havia entre eles socialistas, comunistas e anarquistas. O seu início situa-se na guerrilha da Resistência francesa contra o invasor nazi na Segunda Guerra Mundial e parte deles tentarão entrar em Espanha pelos Pirenéus. Outros eram simplesmente pessoas de esquerda que decidiram fugir e esconder-se nas montanhas. Na Galiza recebiam o nome de fuxidos.

Na verdade, finalizada a guerra, a Raia seca era um óptimo lugar para se esconder: havia muitas famílias de um e do outro lado, estavam aqueles que iam fazer compras e, é claro, os contrabandistas. Isto apesar da Cortina de Cortiça (semelhante à Cortina de Ferro, mas ibérica) entre os regimes salazarista e franquista que impunha um controlo férreo das fronteiras. De forma muito breve a história (ou estória) é a seguinte: três guerrilheiros galegos tinham se refugiado nas casas de algumas famílias da aldeia fugindo de um fuzilamento certo nas vizinhas aldeias galegas do concelho de Oimbra em Dezembro de 1946. A PIDE teria surpreendido um deles que tentou fugir com um dos filhos da família onde tinha ficado para a fronteira sendo que, como a Guardia Civil estava lá, tentou voltar fugir por outro caminho e depois foi baleado e morto pela Guarda Nacional Republicana perto da aldeia e exposto seu cadáver em Chaves. Dois dois que restavam, de um diz-se ter-se suicidado com a última bala depois de terem matado dois elementos da guarda republicana e foi exposto também em Chaves. O outro alegadamente teria ficado sem balas pelo que foi levado pelas autoridades militares para a cadeia e depois foi duramente julgado em tribunal pelo Tribunal Militar Territorial do Porto em 1947 e foi condenado à dezanove anos de prisão na temível prisão do Tarrafal, no Cabo Verde onde teria ficado até 1965, exilando-se depois para França, onde morreu sem voltar nunca para Espanha. Mas a aldeia também foi alvo da repressão em 21 de Dezembro, cercada pela Guarda Nacional Republicana, o Exército e a Guardia Civil espanhola e foi bombardeada ao ser atacada com morteiros com mortos e feridos, casas em ruínas e parte da população presa pela PIDE.

Obviamente o acontecimento foi silenciado e somente a acção de historiadores actuais têm vindo a dar a conhecer estes factos que tinham ficado reduzidos ao âmbito familiar e que constituem um exemplo da barbárie das ditaduras que nunca mais deveríamos permitir. Resulta inexplicável ainda que existam pessoas que justifiquem ditaduras como estas em nome de uma falsa prosperidade económica ou de factores ideológicos e de segurança frente a outros regimes políticos legais e democráticos. Mas se o Hitler foi capaz de encandear as massas, não admira que este tipo de regimes tenham os seus defensores, infelizmente. Ainda existe hoje uma placa comemorativa, em galego, intitulada «En lembranza do voso sofrimento».

Quanto à Raia, a linha de demarcação fronteiriça foi a que mais recuou em favor de Portugal ficando pelos cumes das montanhas com dois caminhos de terra batida que ligam o Cambedo com as aldeias galegas de Casas do Monte e San Cibrao de Oimbra. O caminho que vai para esta última aldeia oferece-nos belas vistas do vale do Alto Tâmega galego vendo-se inclusive até à vila de Verín, uma das duas partes da eurocidade Chaves-Verín. A região é óptima para dar longos passeios no Verão, de preferência depois das horas mais quentes, e de conversa com os vizinhos destas aldeias raianas.

Foto 1. Vista geral de Cambedo da Raia do caminho que vai para San Cibrao de Oimbra.
Foto 2. Marco fronteiriço no cume da serra, acima de um penedo.
Foto 3. Caminho fronteiriço (o limite vai pela parte direita do caminho, sendo que o caminho pertence a Portugal.
Foto 4. Marco fronteiriço ao lado do caminho, perto do cume.
Foto 5. Outro marco fronteiriço com vistas para as terras galegas.
Foto 6. Marco fronteiriço que fica mesmo à beira do caminho.
Foto 7. Vista do vale do Alto Tâmega galego com Verín ao fundo antes do caminho ser inteiramente galego.
Foto 8. Vista do vale do Tâmega entre Feces de Abaixo, Lamadarcos, Rabal e Vilarelho da Raia. Vêem-se as obras da auto-estrada que vai ligar a auto-estrada A24 com a A-52 espanhola ou Auto-estrada das Rias Baixas.


Ver Fronteiras: Cambedo da Raia num mapa maior

Mapa 1. Mapa de situação de Cambedo da Raia e dos limites fronteiriços.

P.S. Quem quiser ampliar conhecimentos sobre os terríveis acontecimentos de 1946 em Cambedo da Raia pode seguir a história completa, dia por dia, na Internet no blogue no blogue de Fernando Ribeiro sobre a questão. Conta ainda com um blogue fotográfico sobre o concelho de Chaves que é do bom e do melhor! Existe ainda uma monografia sobre a questão: AA.VV., O Cambedo da Raia. 1946, Solidariedade galego-portuguesa silenciada, Asociación Amigos da República, Ourense, 2004.

domingo, 17 de janeiro de 2010

A herança portuguesa em Olivença: S. Jorge da Lor

Como vem sendo habitual no blogue nestes últimos tempos, damos as boas-vindas a mais um amigo, neste caso o fotógrafo Javier Alonso, que tem vários blogues dos quais destaco o dedicado à fotografia. As suas fotos sobre o mundo rural das regiões de Zamora de Sanábria, Carballeda e Aliste, bem como as áreas raianas do Nordeste Transmontano são lindas de se ver. Recomendo-o sem falta!

Hoje vou falar da herança portuguesa em Olivença. Como este blogue não é político, não vou falar da questão oliventina. Importa apenas indicar que a região oliventina tem estado na posse de Espanha desde 1801, depois da Guerra das Laranjas, um episódio emoldurado dentro das chamadas guerras napoleónicas. Mas Olivença foi «reconquistada» e repovoada por cavaleiros da Ordem de Cristo vindos de Portugal a partir de 1234, sendo que o território fazia parte inicialmente do reino de Leão. A povoação não teve muito desenvolvimento, talvez a causa da indefinição de fronteiras que levaram ao Tratado de Badajoz de 1267 pelo qual o Guadiana fazia de limite entre Portugal e o reino de Castela e depois ao Tratado de Alcanices de 1297, pelo qual Campo Maior, Ouguela, inicialmente leonesas, e Olivença e Táliga passavam a mãos portuguesas. Daí, o domínio português sobre o território foi contínuo, a excepção de breves períodos de conquista nas contínuas guerras que decorreram nos mais de cinco séculos que durou a dominação portuguesa. Foi então que Olivença cresceu como vila abaluartada com muralhas e fossos para a defesa do reino sendo uma das chaves da fronteira juntamente com Elvas e Ouguela.

O território oliventino estava formado por tres concelhos: Olivença, Táliga e Juromenha, que detinha a aldeia de Vila-Real (Villarreal, segundo a toponímia oficial, em diante t.o.). Para além de Táliga e de Olivença, esta região apresenta várias aldeias espalhadas pela planície com a presença vizinha da Serra da Lor (de Alor, t.o.). Talvez a mais característica é a aldeia de São Jorge da Lor (San Jorge de Alor, t.o.) pelas suas vistosas chaminés alentejanas, algumas de início do século XIX.

Trata-se de uma aldeia situada nas encostas da Serra da Lor, com vistas para a localidade extremenha de Valverde de Leganés, com típicas casas brancas caiadas ao modo alentejano, mas com varandas e grades nas janelas ao modo da Extremadura espanhola. Afinal, duzentos anos de dominação espanhola fazem mossa, mas mesmo assim, é das aldeias com menos deturpações relativamente ao que seria caso tivesse permanecido sob soberania portuguesa. Mas é, sem dúvida, a chaminé o que dá à aldeia o seu carácter alentejano. E é que a chaminé alentejana é uma chaminé em tronco de pirâmide quadrangular, fazendo parte do alçado ou da frontaria da casa, encontrando-se normalmente junto à porta da entrada. Essa forma rectangular é a mais característica, mas existem outras, designadamente de forma cilíndrica, com remates em cúpula ou em pináculos, sendo que o fumo sai pelos interstícios deixados pelos tijolos colocados de forma vertical que suportam essas cúpulas ou pináculos.

De resto, S. Jorge da Lor podia ser mais uma aldeia alentejana se não fosse pelo facto de estar situada na região oliventina e ter sofrido essa forte pressão uniformizadora no sentido de se integrar em Espanha. Daí a proibição do uso da língua portuguesa e a castelhanização dos apelidos familiares até extremos ridículos do tipo Perera/Pereira, Cuello/Coelho, Sardiña/Sardinha, Pesoa/Pessoa, e assim por diante. Os topónimos também têm sido deturpados, apesar do qual ainda é possível observar claramente essa herança portuguesa.

S. Jorge da Lor e a restante região oliventina deve constituir um bom exemplo de valorização do património cultural, artístico e imaterial, incluindo a língua portuguesa. Não apenas para uns quantos portugueses nostálgicos e saudosistas ou para a maior parte dos portugueses que estão-se nas tintas para a «questão» de Olivença, mas também para os espanhóis de deviam valorizar mais a sua riqueza cultural e linguística. É por isso que não posso deixar de louvar a iniciativa da associação Além Guadiana, criada por oliventinos cientes do seu património e que querem recuperar essa herança portuguesa também longe de disputas políticas e à qual já me tenho referido em mais de uma ocasião. Essa falta de visão é o que tem feito estar em perigo essa herança pois em Espanha, como já tive ocasião de ver, às vezes mistura-se língua com nacionalismo, o qual constitui um erro. Não é por acaso que uma das emendas ao novo Estatuto da Região Autónoma da Extremadura espanhola no parlamento espanhol seja a protecção à língua portuguesa em Olivença, para além das falas galaico-portuguesas do vale de Xálima, na região raiana do noroeste da província de Cáceres, perto de Penamacor, na Beira Interior.

Por isso, toda acção com o intuito de recuperar o património de um lugar, quer etnográfico, quer linguístico, quer imaterial, como é o caso da «Além Guadiana» é digna de se ter em conta. Esperemos que os seus esforços não sejam em vão e dêem os seus frutos.

Foto 1. Vista geral de S. Jorge da Lor.
Foto 2. Rua da aldeia com as típicas chaminés alentejanas.
Foto 3. Igreja matriz, de óbvia factura portuguesa.
Foto 4. Chaminé alentejana e grades extremenhas.
Foto 5. Outros recantos da aldeia.
Foto 6. Olivença vista da estrada de S. Jorge da Lor.
Foto 7. Elvas vista de S. Jorge da Lor.


Ver S. Jorge da Lor num mapa maior

Mapa 1. Mapa de situação.

P.S. Quem desejar obter mais informações, não deve deixar de ler o livro de José António González Carrillo, oliventino de gema, intitulado Olivenza oculta, em espanhol e em português, com muitas imagens da região.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Fronteiras: Paradela/Castro

Olá amigos! Depois de uns dias de férias e outros em que estive um bocadinho ocupado, eis que venho com energias renovadas para com este blogue. Primeiro de tudo, quero desejar-vos tudo de bom neste ano 2010 e que cada um de vós possa atingir os alvos marcados para o ano.

É com prazer que continuo a dar as boas-vindas aos nossos novos amigos, como é o caso de Alfonso Perdel, um técnico florestal de Villanueva del Fresno, na Extremadura espanhola, tão perto da alentejana Mourão. Se gostarem da natureza, não percam o seu blogue. Vale mesmo a pena! E também o caso de Eesti, o nome em estónio da Estónia (Tere tulemast!) que tem um blogue que segue os blogues estónios. Caso alguém queira experimentar... Força!. Cá vai o seu link aqui.

O tópico de hoje é a fronteira mais oriental de Portugal: Paradela/Castro. Situada num recôndito cantinho do nosso país, na região de Trás-os-Montes, é uma fronteira pouco frequentada mas que atravessa lugares de infindável beleza já no Parque Natural do Douro Internacional, zona conhecida na parte espanhola com o nome de Los Arribes (na província de Zamora) ou Las Arribas (na província de Salamanca). Esta fronteira é relativamente «nova» no sentido de que a estrada que liga Castro de Alcañices com Paradela tem sido alcatroada recentemente. De facto, numa visita à região em 2003, só havia estrada alcatroada da fronteira até Paradela, mas não da fronteira até Castro. Uma observação que devo fazer nesse sentido é que há anos o mais frequente na região era ter uma estrada alcatroada portuguesa até à fronteira e um caminho de terra batida na parte espanhola. Mas nestes dois últimos anos as autoridades locais têm-se empenhado muito e hoje podemos usufruir de boas estradas espanholas que, obviamente, por serem mais recentes, acham-se num melhor estado de conservação. Dou por isso os meus parabéns a quem corresponder, nos esforços feitos para a melhora das comunicações transfronteiriças.

A região, como foi dito, pertence à essa zona de tanta beleza natural como é a passagem do Douro no meio de fortes encostas e desfiladeiros que também são conhecidos em português como arribas. Do lado espanhol fica a região de Aliste. Como curiosidade, direi que esta região pertenceu a Portugal nos primórdios da nacionalidade, aquando da independência de Portugal do Reino de Leão lá em 1143. Isto porque Aliste fez parte da diocese de Braga, da qual era um arcediagado juntamente com as terras de Vergantia (Bragança) e Ledra. E assim continuou a ser durante a maior parte do século XII, se bem com um recuo a partir de 1160, que levou à sua perda completa para 1200. De facto, Castro de Alcañices era conhecida na altura como Castro de Latronis, segundo indicam as Inquirições (documento único da Europa medieval, comparável apenas com o Domesday Book, tratando-se de uns inquéritos realizados pelos reis D. Afonso II, D. Afonso III e D. Dinis, com o intuito de saber quais eram as terras que pertenciam à monarquia e quem eram os senhores feudais de cada lugar), sendo que se tratou de uma usurpação de um nobre leonês num momento de anarquia no reino português.

Ora bem, a região de Aliste é uma das partes da província de Zamora menos desenvolvidas, mas que ainda mantêm muitas das antigas tradições, incluindo o uso do arado com bois ou burros. Alcañices é a sua capital natural e uma localidade muito conhecida na nossa história portuguesa como sendo a povoação onde se assinou o Tratado de Limites de 1297. Mantém ainda, se bem que já em perigo de extinção, o dialecto alistano, dentro do tronco comum da língua asturo-leonesa. A agricultura continua a ser a actividade mais importante na região.

Do lado de Portugal (deveria dizer Pertual), Paradela fica na chamada Terra de Miranda, da qual faz parte enquanto freguesia do concelho de Miranda do Douro. Como no caso de Aliste, encontramo-nos perante uma das zonas mais conservadoras do nosso país. Apesar da modernidade expressada em boas vivendas e moradias tanto de camponeses abastados como de emigrantes que foram trabalhar na França ou ainda nas minas de carvão das Astúrias, mantêm-se muitos usos tradicionais. Não é infrequente, por exemplo, ver as mulheres lavar a roupa no tanque ou fiar lã no fuso. O que para alguns será mais uma amostra de atraso, para mim constitui uma delícia. Sinto-me às vezes como um etnógrafo a desfrutar dessas coisas com intensidades antes de que se percam sob a avassaladora globalização e modernidade que constrói uma sociedade mais homogénea, mas também mais cinzenta.

A região tem muitos pontos em comum com a região de Aliste, mas é óbvio que a fronteira tem contribuído para estabelecer algumas diferenças. A mais relevante é a língua mirandesa, falada no concelho de Miranda do Douro (Miranda de l Douro) e em três freguesias do concelho de Vimioso (Bimioso). Trata-se de uma língua de origem asturo-leonesa, que está oficialmente reconhecida pela República Portuguesa desde 1999, que mantém traços evidentes do falar asturo-leonês com uma forte influência, como não podia ser de outra forma, da língua portuguesa. É hoje uma língua ensinada nas escolas e começa a ter presença nas ruas e na sinalética. Podemos encontrar, de facto, muitos sinais bilingues, e cada vez em maior proporção assim que a língua adquire mais prestígio enquanto língua própria da Terra de Miranda, sem que isso seja um entrave à lusofonia.

Como no caso de Aliste, a Terra de Miranda é conhecida também como o Planalto Mirandês (L Praino mirandés), já que ambas as duas regiões fazem parte de uma peneplanície de materiais duros nos que o destaque vai para o granito como rocha predominante, mas também o quartzito e, mais secundariamente, o xisto. De facto, a fronteira normalmente vai pelos cumes de serras de pouca elevação que nunca foram um entrave para as comunicações.

A visita desta fronteira Paradela/Castro pode ser mais um pretexto para visitar esta bela região onde não faltam bons enchidos, vinhos e queijos com que deliciar-se, para além de desfrutar das conversas com as simpáticas gentes do lugar.

Foto 1. Fronteira portuguesa vista do lado de Espanha.
Foto 2. Fronteira e marco fronteiriço.
Foto 3. Fronteira espanhola vista do lado de Portugal com a nova estrada alcatroada.
Foto 4. Ribeira de Castro (Arroyo de la Ribera, em espanhol) antes de desaguar no Douro.
Foto 5. Terras portuguesas vistas do limite fronteiriço.
Foto 6. Marco fronteiriço visto do lado de Espanha.
Foto 7. Ribeira de Castro, já em território espanhol.
Foto 8. Vista geral de Paradela e do Planalto Mirandês.
Foto 9. Vista geral de Castro de Alcañices.
Foto 10. Castro de Alcañices (outra vista).


Ver Fronteira: Paradela/Castro num mapa maior
Mapa 1. Mapa de situação.