segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Fronteiras: Cambedo da Raia

Na região do Alto Tâmega, na freguesia de Vilarelho da Raia, concelho de Chaves, encontramos entre montanhas, a pequena aldeia de Cambedo da Raia. A aldeia não seria mais do que uma típica aldeia transmontana se não fosse pela sua situação fronteiriça e pelas circunstâncias históricas que a rodeiam.

Cambedo é, como foi dito, um dos chamados «povos promíscuos» juntamente com Lamadarcos e Soutelinho da Raia. Ao contrário das outras duas aldeias, no Cambedo havia uma predominância dos fogos espanhóis relativamente aos portugueses pelo que no início, quando começaram os trabalhos da comissão para a delimitação da fronteira segundo o Tratado de Limites de 1864, a ideia que se estava a equacionar era a da anexação da aldeia a Espanha, sendo que as outras duas passariam a mãos portuguesas pro indiviso. No entanto, como surgiu a questão do chamado Couto Misto, do qual teremos oportunidade de falar mais logo, a solução foi a passagem das três aldeias a Portugal em troca do Couto Misto, que passou para Espanha, a integrar na província galega de Ourense. Daí, em 1868 a aldeia passou a ser portuguesa, se bem os contactos de um e do outro lado da fronteira continuaram como foram desde havia séculos.

Outro episódio histórico muito desconhecido pela maior parte dos portugueses e também pela maioria dos espanhóis são os acontecimentos de 1946 relacionados com os movimentos guerrilheiros do maquis. Os maquis, para quem não saibam, eram guerrilheiros anti-fascistas que lutavam contra o regime de Franco após a Guerra de Espanha depois de 1939. Eram conhecidos pelas suas ideias de esquerda e havia entre eles socialistas, comunistas e anarquistas. O seu início situa-se na guerrilha da Resistência francesa contra o invasor nazi na Segunda Guerra Mundial e parte deles tentarão entrar em Espanha pelos Pirenéus. Outros eram simplesmente pessoas de esquerda que decidiram fugir e esconder-se nas montanhas. Na Galiza recebiam o nome de fuxidos.

Na verdade, finalizada a guerra, a Raia seca era um óptimo lugar para se esconder: havia muitas famílias de um e do outro lado, estavam aqueles que iam fazer compras e, é claro, os contrabandistas. Isto apesar da Cortina de Cortiça (semelhante à Cortina de Ferro, mas ibérica) entre os regimes salazarista e franquista que impunha um controlo férreo das fronteiras. De forma muito breve a história (ou estória) é a seguinte: três guerrilheiros galegos tinham se refugiado nas casas de algumas famílias da aldeia fugindo de um fuzilamento certo nas vizinhas aldeias galegas do concelho de Oimbra em Dezembro de 1946. A PIDE teria surpreendido um deles que tentou fugir com um dos filhos da família onde tinha ficado para a fronteira sendo que, como a Guardia Civil estava lá, tentou voltar fugir por outro caminho e depois foi baleado e morto pela Guarda Nacional Republicana perto da aldeia e exposto seu cadáver em Chaves. Dois dois que restavam, de um diz-se ter-se suicidado com a última bala depois de terem matado dois elementos da guarda republicana e foi exposto também em Chaves. O outro alegadamente teria ficado sem balas pelo que foi levado pelas autoridades militares para a cadeia e depois foi duramente julgado em tribunal pelo Tribunal Militar Territorial do Porto em 1947 e foi condenado à dezanove anos de prisão na temível prisão do Tarrafal, no Cabo Verde onde teria ficado até 1965, exilando-se depois para França, onde morreu sem voltar nunca para Espanha. Mas a aldeia também foi alvo da repressão em 21 de Dezembro, cercada pela Guarda Nacional Republicana, o Exército e a Guardia Civil espanhola e foi bombardeada ao ser atacada com morteiros com mortos e feridos, casas em ruínas e parte da população presa pela PIDE.

Obviamente o acontecimento foi silenciado e somente a acção de historiadores actuais têm vindo a dar a conhecer estes factos que tinham ficado reduzidos ao âmbito familiar e que constituem um exemplo da barbárie das ditaduras que nunca mais deveríamos permitir. Resulta inexplicável ainda que existam pessoas que justifiquem ditaduras como estas em nome de uma falsa prosperidade económica ou de factores ideológicos e de segurança frente a outros regimes políticos legais e democráticos. Mas se o Hitler foi capaz de encandear as massas, não admira que este tipo de regimes tenham os seus defensores, infelizmente. Ainda existe hoje uma placa comemorativa, em galego, intitulada «En lembranza do voso sofrimento».

Quanto à Raia, a linha de demarcação fronteiriça foi a que mais recuou em favor de Portugal ficando pelos cumes das montanhas com dois caminhos de terra batida que ligam o Cambedo com as aldeias galegas de Casas do Monte e San Cibrao de Oimbra. O caminho que vai para esta última aldeia oferece-nos belas vistas do vale do Alto Tâmega galego vendo-se inclusive até à vila de Verín, uma das duas partes da eurocidade Chaves-Verín. A região é óptima para dar longos passeios no Verão, de preferência depois das horas mais quentes, e de conversa com os vizinhos destas aldeias raianas.

Foto 1. Vista geral de Cambedo da Raia do caminho que vai para San Cibrao de Oimbra.
Foto 2. Marco fronteiriço no cume da serra, acima de um penedo.
Foto 3. Caminho fronteiriço (o limite vai pela parte direita do caminho, sendo que o caminho pertence a Portugal.
Foto 4. Marco fronteiriço ao lado do caminho, perto do cume.
Foto 5. Outro marco fronteiriço com vistas para as terras galegas.
Foto 6. Marco fronteiriço que fica mesmo à beira do caminho.
Foto 7. Vista do vale do Alto Tâmega galego com Verín ao fundo antes do caminho ser inteiramente galego.
Foto 8. Vista do vale do Tâmega entre Feces de Abaixo, Lamadarcos, Rabal e Vilarelho da Raia. Vêem-se as obras da auto-estrada que vai ligar a auto-estrada A24 com a A-52 espanhola ou Auto-estrada das Rias Baixas.


Ver Fronteiras: Cambedo da Raia num mapa maior

Mapa 1. Mapa de situação de Cambedo da Raia e dos limites fronteiriços.

P.S. Quem quiser ampliar conhecimentos sobre os terríveis acontecimentos de 1946 em Cambedo da Raia pode seguir a história completa, dia por dia, na Internet no blogue no blogue de Fernando Ribeiro sobre a questão. Conta ainda com um blogue fotográfico sobre o concelho de Chaves que é do bom e do melhor! Existe ainda uma monografia sobre a questão: AA.VV., O Cambedo da Raia. 1946, Solidariedade galego-portuguesa silenciada, Asociación Amigos da República, Ourense, 2004.

2 comentários:

  1. Increíble lo que pasó. Fueron años tremendos por lo que me contó mi familia. Esperemos que no vuelva a suceder.

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  2. Pues sí, esperemos que nunca más se repitan historias como esa.

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