quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Fronteiras: Paradela/Castro

Olá amigos! Depois de uns dias de férias e outros em que estive um bocadinho ocupado, eis que venho com energias renovadas para com este blogue. Primeiro de tudo, quero desejar-vos tudo de bom neste ano 2010 e que cada um de vós possa atingir os alvos marcados para o ano.

É com prazer que continuo a dar as boas-vindas aos nossos novos amigos, como é o caso de Alfonso Perdel, um técnico florestal de Villanueva del Fresno, na Extremadura espanhola, tão perto da alentejana Mourão. Se gostarem da natureza, não percam o seu blogue. Vale mesmo a pena! E também o caso de Eesti, o nome em estónio da Estónia (Tere tulemast!) que tem um blogue que segue os blogues estónios. Caso alguém queira experimentar... Força!. Cá vai o seu link aqui.

O tópico de hoje é a fronteira mais oriental de Portugal: Paradela/Castro. Situada num recôndito cantinho do nosso país, na região de Trás-os-Montes, é uma fronteira pouco frequentada mas que atravessa lugares de infindável beleza já no Parque Natural do Douro Internacional, zona conhecida na parte espanhola com o nome de Los Arribes (na província de Zamora) ou Las Arribas (na província de Salamanca). Esta fronteira é relativamente «nova» no sentido de que a estrada que liga Castro de Alcañices com Paradela tem sido alcatroada recentemente. De facto, numa visita à região em 2003, só havia estrada alcatroada da fronteira até Paradela, mas não da fronteira até Castro. Uma observação que devo fazer nesse sentido é que há anos o mais frequente na região era ter uma estrada alcatroada portuguesa até à fronteira e um caminho de terra batida na parte espanhola. Mas nestes dois últimos anos as autoridades locais têm-se empenhado muito e hoje podemos usufruir de boas estradas espanholas que, obviamente, por serem mais recentes, acham-se num melhor estado de conservação. Dou por isso os meus parabéns a quem corresponder, nos esforços feitos para a melhora das comunicações transfronteiriças.

A região, como foi dito, pertence à essa zona de tanta beleza natural como é a passagem do Douro no meio de fortes encostas e desfiladeiros que também são conhecidos em português como arribas. Do lado espanhol fica a região de Aliste. Como curiosidade, direi que esta região pertenceu a Portugal nos primórdios da nacionalidade, aquando da independência de Portugal do Reino de Leão lá em 1143. Isto porque Aliste fez parte da diocese de Braga, da qual era um arcediagado juntamente com as terras de Vergantia (Bragança) e Ledra. E assim continuou a ser durante a maior parte do século XII, se bem com um recuo a partir de 1160, que levou à sua perda completa para 1200. De facto, Castro de Alcañices era conhecida na altura como Castro de Latronis, segundo indicam as Inquirições (documento único da Europa medieval, comparável apenas com o Domesday Book, tratando-se de uns inquéritos realizados pelos reis D. Afonso II, D. Afonso III e D. Dinis, com o intuito de saber quais eram as terras que pertenciam à monarquia e quem eram os senhores feudais de cada lugar), sendo que se tratou de uma usurpação de um nobre leonês num momento de anarquia no reino português.

Ora bem, a região de Aliste é uma das partes da província de Zamora menos desenvolvidas, mas que ainda mantêm muitas das antigas tradições, incluindo o uso do arado com bois ou burros. Alcañices é a sua capital natural e uma localidade muito conhecida na nossa história portuguesa como sendo a povoação onde se assinou o Tratado de Limites de 1297. Mantém ainda, se bem que já em perigo de extinção, o dialecto alistano, dentro do tronco comum da língua asturo-leonesa. A agricultura continua a ser a actividade mais importante na região.

Do lado de Portugal (deveria dizer Pertual), Paradela fica na chamada Terra de Miranda, da qual faz parte enquanto freguesia do concelho de Miranda do Douro. Como no caso de Aliste, encontramo-nos perante uma das zonas mais conservadoras do nosso país. Apesar da modernidade expressada em boas vivendas e moradias tanto de camponeses abastados como de emigrantes que foram trabalhar na França ou ainda nas minas de carvão das Astúrias, mantêm-se muitos usos tradicionais. Não é infrequente, por exemplo, ver as mulheres lavar a roupa no tanque ou fiar lã no fuso. O que para alguns será mais uma amostra de atraso, para mim constitui uma delícia. Sinto-me às vezes como um etnógrafo a desfrutar dessas coisas com intensidades antes de que se percam sob a avassaladora globalização e modernidade que constrói uma sociedade mais homogénea, mas também mais cinzenta.

A região tem muitos pontos em comum com a região de Aliste, mas é óbvio que a fronteira tem contribuído para estabelecer algumas diferenças. A mais relevante é a língua mirandesa, falada no concelho de Miranda do Douro (Miranda de l Douro) e em três freguesias do concelho de Vimioso (Bimioso). Trata-se de uma língua de origem asturo-leonesa, que está oficialmente reconhecida pela República Portuguesa desde 1999, que mantém traços evidentes do falar asturo-leonês com uma forte influência, como não podia ser de outra forma, da língua portuguesa. É hoje uma língua ensinada nas escolas e começa a ter presença nas ruas e na sinalética. Podemos encontrar, de facto, muitos sinais bilingues, e cada vez em maior proporção assim que a língua adquire mais prestígio enquanto língua própria da Terra de Miranda, sem que isso seja um entrave à lusofonia.

Como no caso de Aliste, a Terra de Miranda é conhecida também como o Planalto Mirandês (L Praino mirandés), já que ambas as duas regiões fazem parte de uma peneplanície de materiais duros nos que o destaque vai para o granito como rocha predominante, mas também o quartzito e, mais secundariamente, o xisto. De facto, a fronteira normalmente vai pelos cumes de serras de pouca elevação que nunca foram um entrave para as comunicações.

A visita desta fronteira Paradela/Castro pode ser mais um pretexto para visitar esta bela região onde não faltam bons enchidos, vinhos e queijos com que deliciar-se, para além de desfrutar das conversas com as simpáticas gentes do lugar.

Foto 1. Fronteira portuguesa vista do lado de Espanha.
Foto 2. Fronteira e marco fronteiriço.
Foto 3. Fronteira espanhola vista do lado de Portugal com a nova estrada alcatroada.
Foto 4. Ribeira de Castro (Arroyo de la Ribera, em espanhol) antes de desaguar no Douro.
Foto 5. Terras portuguesas vistas do limite fronteiriço.
Foto 6. Marco fronteiriço visto do lado de Espanha.
Foto 7. Ribeira de Castro, já em território espanhol.
Foto 8. Vista geral de Paradela e do Planalto Mirandês.
Foto 9. Vista geral de Castro de Alcañices.
Foto 10. Castro de Alcañices (outra vista).


Ver Fronteira: Paradela/Castro num mapa maior
Mapa 1. Mapa de situação.

3 comentários:

  1. Magnífico post. Es siempre una buena noticia la apertura de nuevas carreteras que unan pueblos y sobre todo en una zona muy olvidada por las administraciones.

    Siempre recordaré una libería de Miranda en la que tenían un libro titulado: "Miranda, ye la mie tierra". Casi igual que lo diríamos en asturiano.

    Mis felicitaciones a las autoridades y la sociedad civil de la tierra de Miranda por lograr que el mirandés sea oficial y así contribuir a su supervivencia y recuperación.
    Ya podíamos copiar en Asturias...

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  2. Sí. Ese libro lo tengo yo y se trata de una serie de poesias sobre las distintas aldeas de Miranda. Está bastante bien.

    En cuanto a la lengua, creo que el pueblo que olvida su lengua, su cultura, sus raíces, está condenado a la desaparición.

    Creo que hay una idea de falso utilitarismo. Hoy, por ejemplo, todo el mundo considera imprescindible saber inglés, aunque un 90% de las personas nunca vayan a usarlo de forma efectiva. Sin embargo, cuando se trata de una lengua minoritaria que sin embargo es utilizada, aunque sea "a trancas y barrancas" por la mayor parte de la población de un lugar, parece que es una "pérdida de tiempo" y que hay que dedicarlo a otras cosas más "útiles".

    En un mundo tan economicista y tan "econometrista" sobra todo lo que aparentemente no sea "útil". De ahí la escasa atención a la Historia, el Patrimonio, las lenguas clásicas, el arte (cuando no da dinero, claro), etc.

    Sin embargo, aunque sea un soñador, no puedo dejar de criticar y combatir eso. Me emociono cuando oigo una gaita de "foles", ya sea en Miranda, Galicia o Asturias, u oigo cantares alentejanos. Me emociono cuando respiro el ambiente de un lugar, disfruto de su gastronomía, entro en una conexión total con un territorio.

    Tal vez haya quien me llame loco, pero creo que con la rapidez de hoy hemos perdido el sabor de lo auténtico, de disfrutar las cosas lentamente, absorber los lugares, entrar en comunión con la naturaleza.

    Creo que es por eso que necesitamos tantas "escapadas" y vacaciones, aunque no siempre sea posible viajar cuanto se quiere. Al final, siempre hay personas que lo pasan peor que nosotros. Haití es una buena muestra de ello.

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  3. Just a remark about the name of Estonia. The very original name in Finno-Ugric is "Viro". In fact, in Finland "Estonia" is called "Viro".
    Estonia itself is also a Finno-Ugric country, but it imported its name from the medieval German domination, who called this corner of land "Ostland" (="Country of the East"), who became after "Estland".
    The English/Latin name "Estonia" has also a funny story that few persons know. At the age of the Roman Empire, the Romans called "Aestii" a population who lived on the seaside of the Baltic. Some persons think these Aestii were the ancient Estonians, but it is not true. They were probably the ancestors of Lithuanians.

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