terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Fronteiras: A «não-fronteira» de São Marcos/Paymogo

As fronteiras de Portugal com a região espanhola da Andaluzia têm sido, de sempre, as mais impermeáveis. Nisto concorrem vários factores como uma densidade de população mais baixa, designadamente na parte do Alentejo (concelhos de Serpa e Mértola) e a parte Noroeste da província de Huelva, a única fronteiriça das províncias andaluzas, com as entidades de maior população, que podiam fazer de dinamizadoras, relativamente longe da fronteira, mas também o facto de esta parte da Raia ser uma raia «húmida» na que os rios tendem a separar e não unir. Se a isso acrescentamos o facto das dificuldades de comunicação a causa do relevo mais montanhoso (ainda estamos longe da clássica planície do Alentejo ou da Baixa Andaluzia), compreende-se por que esta região apresenta ainda notáveis défices no relativo a relações transfronteiriças que existem, mas sem serem tão intensas como noutros lugares da Raia.

A situação descrita era certamente gritante e ainda podemos dizer que é em parte assim. Obviamente não é possível nem necessário construir estradas de ligação transfronteiriça em cada aldeia, mas a realidade é que até 1992 a única fronteira terrestre entre Portugal e a Andaluzia era a fronteira de Ficalho/Rosal de la Frontera, sendo que as comunicações entre o Algarve e esta região eram feitas em ferry-boat de Vila Real de Santo António a Ayamonte. Uma pessoa que quisesse deslocar-se de carro para a região vizinha tinha de fazer 140 km. no primeiro caso e 120 no segundo para cruzar a fronteira. A construção da já não tão nova ponte internacional sobre o Guadiana entre Monte Francisco e Ayamonte permitiu solucionar este problema, se bem na actualidade algumas decisões parecem empenhadas em estabelecer barreiras à comunicação com a introdução de portagens na Via do Infante. 

Com o propósito de melhorar a situação estabeleceram-se acordos de tipo transfronteiriço que previam a construção de três novas pontes: S. Marcos (Serpa) - Paymogo, Pomarão - El Granado e Alcoutim - Sanlúcar de Guadiana. Dessas três, oficialmente apenas uma está na actualidade em serviço: Pomarão - El Granado, da qual deu conta este blogue num post escrito ao efeito. Da ponte de Alcoutim - Sanlúcar, apesar de reclamada há décadas pelas populações, nem se fala, e ainda menos com a crise actual. Terão de continuar com o velho ferry que cruza o Guadiana. Mas o caso mais gritante é o da ponte S. Marcos - Paymogo.

A empreitada desta ponte foi adjudicada em 2006 e no mês de Junho iniciaram-se as obras. Da parte portuguesa, o município de Serpa tinha já uma estradinha municipal que foi alvo de importantes obras de beneficiação. Da parte espanhola não havia nenhuma ligação próxima, pelo que uma nova estrada teve de ser projectada e construída. Quem isto escreve tentou, perante a vista de mapas que falavam numa ligação já em serviço, deslocar-se até à fronteira para depois poder fazer o relatório correspondente, isso a partir de 2008 em três ocasiões diferentes, aproveitando viagens que fazia para o Algarve tendo-se encontrado com que não era possível chegar até lá. Até a ponte sobre a Ribeira de S. Marcos desabou parcialmente na sequência de umas cheias no Inverno de 2010. Recentemente tentou um enfoque diferente: Por que não fazê-lo partindo da aldeia de Paymogo? Tendo em conta que os mapas indicavam a existência de uma estrada entre a aldeia e freguesia de Mértola Corte do Pinto e um lugar próximo à ponte, a ideia era seguir por essa estrada e evitar a ponte que tinha desabado.

Uma vez chegado a Rosal de la Frontera, após circular por umas estradas bastante boas, é possível chegar até Paymogo. A surpresa vem quando já na saída da localidade há um sinal indicador que indica estrada cortada. A nossa ideia, porém, era chegar pelo menos à ponte, se tal fosse possível. A estrada, nova, metia dó pela falta de trânsito, mas o mais importante foi o objectivo conseguido de ter chegado até à ponte. A surpresa foi maiúscula: a estrada estava cortada por blocos de plástico e cimento excepto um, convenientemente retirado, e a ponte estava perfeitamente construída mas faltava o pavimento. Não sem alguma relutância, cruzamos a ponte sobre o rio Chança, afluente do Guadiana que desagua no Pomarão. Dai, entrando já em Portugal, após passar uma pequena zona não alcatroada da estrada, seguimos caminho procurando encontrar a tal estrada até Corte do Pinto, que também não existia. Não tivemos mais remédio do que seguir até ver qual era a situação da ponte sobre a Ribeira de S. Marcos. Felizmente, a ponte tinha sido reforçada e pavimentada e pudemos continuar caminho.

Tendo em conta esta vergonhosa situação, tenho de chamar a isto a «não-fronteira» de S. Marcos - Paymogo. Resta às autoridades tomar cartas no assunto e pavimentar de vez a ponte para justificar o dinheiro gasto dos contribuintes. Não é admissível que uma obra iniciada em 2006 e não sendo uma obra de especial dificuldade, em 2012 esteja ainda de pantanas. A escassa população da região não justifica um desleixo absoluto e uma falta de respeito pelos seus habitantes que também pagam os seus impostos e ainda para os turistas que pretendem conhecer esta bela região.

Porque a região vale a pena ser conhecida. Do lado de Espanha, a localidade de Paymogo é uma pequena vila andaluza pachorrenta e pacata que tem, no entanto, um património arquitectónico que não por pequeno deixa de ser menos interessante como a igreja matriz e a fortaleza abaluartada, actualmente em restauração. Além do mais, é um interessante contraste com o Alentejo, pelas suas casas em diversas cores e uma tipologia construtiva diferente. A pena é que daqui é difícil encontrar lugares dignos de interesse porque a região é um verdadeiro deserto demográfico e as localidades mais próximas com algum interesse situam-se bastante longe. 

Do lado português, apesar da escassa população, o viajante não tem a sensação de estar completamente perdido. Talvez seja porque as herdades ou montes existentes encontram-se espalhados pelo campo, sendo relativamente abundantes as queijarias que elaboram queijos de alta qualidade, artesanais, como o célebre «Queijo de Serpa», que vale a pena provar. Na vizinha aldeia de Vale do Poço, dividida pelos limites municipais de Serpa e Mértola, tem lugar no segundo fim-de-semana de Setembro a Feira Agropecuária Transfronteiriça. Muito interessante do ponto de vista histórico e da arqueologia industrial é a localidade mineira de Minas de S. Domingos, na que é possível visitar a Casa do Mineiro, os restos das antigas minas de cobre, as albufeiras artificiais resultantes desta actividade e ainda passear pelas ruas desta aldeia hoje em declínio após o encerramento das minas em 1965, mas de clara tipologia industrial no relativo às casas construídas. E se quiser descansar, tem ao seu dispor um óptimo empreendimento hoteleiro, o Hotel São Domingos, lugar em que se encontrava o «Palácio», antiga sede administrativa das minas. E para os dias quentes do Verão, nada melhor do que um banho na espectacular praia fluvial da Tapada Grande. Para os amantes da Natureza, nada melhor do que visitar o Pulo do Lobo, em pleno Parque Natural do Vale do Guadiana. É acessível por uma estrada pavimentada que parte de Vale do Poço até algumas pequenas aldeias e herdades isoladas, embora tenhamos de continuar nos últimos quilómetros por essa mesma estrada mas em piso de terra batida e apanhar um desvio que não está em muito bom estado, também de terra batida. Mas vale a pena porque o Pulo do Lobo é na realidade uma cascata que forma o rio Guadiana que cai em ravina. Parece inacreditável depois de ver o Grande Lago de Alqueva ou um Guadiana navegável até Mértola, mas sim, o rio discorre por um barranco muito estreito, tanto que se dizia que, no ponto em que se forma esta cascata na que a água tem uma queda de 20 m., um lobo podia dar um pequeno pulo ou salto e atravessar o rio sem se molhar. Além da cascata resulta espectacular ver o contraste entre a paisagem de montado alentejano e o antigo curso do rio, rochoso, sem vegetação.

É o que dá andar por estas «não-fronteiras»: sempre se descobrem lugares interessantes. Além do mais penso ter percorrido todas as ligações fronteiriças terrestres pavimentadas da nossa Raia com esta última «não-fronteira». Mas isso não significa que o blogue deixe de fazer sentido. Ainda tenho muitas fotografias de fronteiras guardadas nos meus ficheiros e quase não falei de história e património. Por isso..., ainda vou dar que falar!

 Foto 1. Ponte sobre o rio Chança visto da parte espanhola.
 Foto 2. Início da estrada de ligação a Paymogo.
 Foto 3. Rio Chança visto da ponte, na parte espanhola, para Norte.
 Foto 4. Rio Chança visto da ponte, na parte espanhola, para Sul.
Foto 5. A ponte vista da parte portuguesa.
Foto 6. Estrada portuguesa com as terras andaluzas ao fundo (S. Marcos, Serpa).
Foto 7. Rio Chança visto da parte portuguesa, para Sul.
Foto 8. Rio Chança visto da parte portuguesa, para Norte.


Mapa 1. Mapa de situação.

Mapa 2. Mapa específico.

P.S. Continua a aumentar o número de seguidores na Rede Social Google. Nesta ocasião dasmos as boas-vindas ao nosso leitor Nuno Lobo. Esperamos que continue a gostar do blogue!

4 comentários:

  1. Dás-me cada vez mais vontade de conhecer a margem esquerda do Guadiana! Muitos Parabéns por todas estas informações sobre este Portugal profundo, desconhecido e ignorado! :-)

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  2. A margem esquerda do Guadiana é talvez o lugar onde podemos encontrar o Alentejo mais autêntico, com paisagens de postal, mas longe do Alentejo «turístico». Barrancos, Serpa, Mértola, Moura são concelhos que escondem muitas surpresas, com aldeias absolutamente espectaculares e paisagens soberbas.

    Em breve espero trazer aqui fotografias do Pulo do Lobo, essa cascata espectacular que forma o Guadiana, porque as fotografias que tirei foram já à noitinha e não atingiram o nível de qualidade que exijo para fazerem parte do blogue. Mesmo que não seja propriamente um lugar raiano, faz parte dos concelhos de fronteira e é suficientemente importante como para merecer cá uma entrada.

    Se alguma vez vais, vais ver que vale mesmo a pena!

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  3. Nunca fui ao Pulo do Lobo, e penso que a primeira vez que ouvi falar disso foi numa altura em que o Cavaco ainda era Primeiro Ministro e para justificar não saber o que se tinha passado em Lisboa num dado fim de semana (penso que foi um congresso qualquer da oposição com a participação do Mário Soares, que era o Presidente da República), disse que tinha passado o fim de semana com a família no Pulo do Lobo... :-D
    Bem, por essa "justificação" dada pelo Cavaco, o que posso deduzir é que é um lugar completamente recôndito e afastado da civilização. Confirmas?
    Acho bem que escrevas um post sobre o Pulo do Lobo, para assim me dares mais motivos para querer conhecer o Baixo Alentejo! :-)

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    1. Sim, obviamente. Parece que a pessoa está no meio de nenhures, más é claro que o PM exagerou. Mas é verdade: o lugar está tão escondido que a única forma de aceder é por caminhos de terra batida e andar com muito cuidado com o carro porque as herdades mais próximas ficam a 8-10 km. de ambas as margens do Guadiana.

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