quarta-feira, 18 de abril de 2012

Castelos da Raia: Castelo Melhor (c. de Vila Nova de Foz Côa)

Hoje vamos falar de um castelo pouco conhecido, mas que teve uma importância estratégica de relevo. Estou a falar do castelo de Castelo Melhor, aldeia e freguesia do concelho de V. N. de Foz Côa. Situada a 15 km. da sede de concelho, Castelo Melhor é hoje uma aldeia pacata na qual encontramos belas amostras etnográficas com casas que denotam a transição entre a casa transmontana e a casa beirã, aproximando-se mais a esta última. Há quem diga: Castelo da Raia, o castelo de Castelo Melhor??? Pois é. A simples vista pareceria um engano pela minha parte, mas não é. Isto porque geograficamente estamos perante uma freguesia situada em território transcudano, isto é, do ponto de vista português, um território situado na região «Trans Côa» ou «Além Côa» porque a região em questão formava parte do território de Riba-Côa. 

A região esteve sujeita às oscilações da fronteira nos séculos XII e XIII. Parece que nos tempos do nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques teria sido um território em posse do reino de Portugal. Daí as dúvidas relativamente à origem do vizinho Convento de Santa Maria de Aguiar sobre se este terá sido de origem portuguesa ou leonesa. O que é certo é que as condições mudaram talvez a partir da Conferência de Celanova de 1160, que entre outros artigos, obrigou ao rei português a retirar-se progressivamente da região, hoje zamorana, de Aliste. Isto condiz com o facto de ter sido restaurada a diocese mirobrigense de Ciudad Rodrigo, baseada nos alegados direitos sobre a diocese de Caliábria, que terá existido nos séculos VI a VIII e teria a sua sede no território do Convento de Aguiar ou arredores. Com isto, o rei leonês, Fernando II, teria pretendido estender o seu território pela região da bacia do rio Águeda e do rio Côa com o intuito de consolidar as fronteiras nesse ponto relativamente aos limites do reino de Portugal. Seja como for, no início do século XIII o território de Riba-Côa já formava parte integrante do reino de Leão.

Nesse sentido temos de ver o foral outorgado a Castelo Melhor em 1208 pelo rei Afonso IX de Leão que elevou a localidade a concelho, o que mostra a importância desta no marco do reino leonês. E que não era para menos: a fronteira ficava delimitada pela foz do Côa no ponto em que este rio desagua no Douro, a uns 4 km. de Vila Nova. Castelo Melhor era, portanto, a primeira via de entrada (e último ponto de saída) do reino de Leão e o foral tinha a missão de reforçar o poder leonês na região e de contar com infra-estruturas militares que travassem as contínuas invasões que haverá durante esta centúria. 

O castelo domina um amplo outeiro do qual é possível ver grande parte do planalto que se estende desta região até Figueira de Castelo Rodrigo, vista limitada a sul apenas pela Serra da Marofa. A norte, pela sua proximidade ao Douro, permitia controlar este espaço mais íngreme, já que as lombas caem quase a prumo como que em desfiladeiro, com uma agricultura dedicada ao cultura da vinha, com uma morfologia do terreno em socalcos, já que estamos na região do Alto Douro Vinhateiro, Património Mundial da UNESCO. Como costuma acontecer, o declínio deste tipo de construções militares, designadamente a partir do século XIX, senão anteriormente, fez com que os moradores preferissem as zonas mais baixas que ficavam ao sopé da montanha em que estava situado o castelo, sendo que a aldeia se desenvolveu a partir destes terrenos de mais fácil comunicação e mais próximas aos campos de lavoura e aos destinados à exploração da pecuária. Portanto, a maior parte do que podemos ver neste castelo é a construção original do século XIII, século em que atinge o seu máximo auge. O Tratado de Alcanizes de 1297 fez com que o nosso rei D. Dinis conseguisse legalmente a posse de uns territórios que já tinham sido ocupados em 1295, movendo a fronteira mais a leste ao ficar delimitada pela linha dos rios Águeda e Tourões, tendo-se mantido (com a excepção da localidade de S. Félix dos Galegos) praticamente inalterada até hoje.

Isso fez de Castelo Melhor uma localidade com um papel secundário. Apesar da renovação, em 1298, do foral leonês por D. Dinis, só houve melhoras na Porta da Vila, transmitindo uma sensação de força e solidez ao visitante, mas o resto manteve-se praticamente igual. Em tempos do rei D. Fernando foram feitas algumas obras de melhora e reforço a causa das guerras contínuas com Castela (época pré-Aljubarrota) e sabe-se que em meados do século XV terá passado a sua posse à importante família Cabral com solar em Belmonte. Do século XV até ao século XVIII, apesar da localidade ter sido elevada a condado no século XVI e a marquesado no século XVIII, nada foi feito relativamente à obras de melhora e restauro, facto que explica porquê o castelo manteve grande parte da sua factura original. O castelo estava desprovido de merlões mas tinha três cubelos e a estrutura urbana estava caracterizada pela existência de duas ruas principais na qual o destaque vai para uma pequena praça central em que estava situada a igreja.

A antiga vila recebe-nos, vindo de V. N. de Foz Côa, com belas vistas do castelo e das paisagens envolventes com amendoeiras, oliveiras, azinheiras e videiras. Na entrada, vemos um monumento dedicado a Afonso IX de Leão com uma placa que indica como este rei tinha dado foral à vila em 1208. Para além de poder deliciar-nos a passear pelas ruas da povoação, flanqueadas por casas de granito puro, temos a oportunidade de subir ao castelo por um pequeno caminho de terra batida e cascalho (não recomendado a ligeiros) que resulta algo íngreme. Existem alguns cafés e restaurantes em que podemos saciar a nossa vontade de satisfazer os nossos sentidos alimentícios. E há ainda um Centro de Interpretação das Gravuras Rupestres do Vale do Côa, também Património Mundial, lugar em que, por marcação, podemos visitar em jipe conduzido pelos guias, algumas desses achados mais importantes e que remontam ao Paleolítico. É, portanto, uma aldeia que pode ser um ponto de visita para um dia inteiro se se quiser: visita das gravuras de manhã, almoço num restaurante local, visita do castelo e aldeia à tarde (ajudando a baixar o estômago) e cafezinho ou uma mini final num café qualquer da povoação. A evitar, obviamente, o Verão. Quem escreve, sofreu nas suas carnes os rigores da canícula. Se na sede do concelho num dia de Julho a temperatura era de 32ºC, esta passou a 39ºC-40ºC na área da foz do Côa e a 35ºC em Castelo Melhor. Daí que infelizmente não possa desta vez oferecer vistas mais próximas do castelo e do seu interior. Avisados ficam!

Foto 1. Zona de confluência do rio Côa com o Douro. 
Foto 2. Mesma foto, indicando os antigos limites fronteiriços até Alcanizes. 
Foto 3. Alto Douro Vinhateiro visto da foz do Côa em direcção de Barca d'Alva e o Penedo Durão (c. de Freixo de Espada-à-Cinta) ao fundo. Antes de Alcanizes, a margem direita do rio era leonesa.
Foto 4. Vista geral do castelo de Castelo Melhor.

Foto 5. Monumento a D. Afonso IX de Leão, situado à entrada da localidade.
Foto 6. Placa do citado monumento.
Foto 7. Vista geral de Castelo Melhor a partir da entrada.
Foto 8. Castelo Melhor visto ao sopé do castelo.


Mapa 1. Mapa de situação.

Mapa 2. Mapa específico.

2 comentários:

  1. Mais um artigo fantástico! É por isso que cada vez gosto mais deste blog! Aqui está uma ótima sugestão para um passeio de fim de semana aqui perto de Bragança! ;-)

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    1. Pois é! Realmente pensei nisso. Para um fim-de-semana ou um dia é o ideal ou combinado com outras visitas para umas mini-férias. Há lugares cá por perto, tão lindos e com tanta história que só não visitamos porque muitas vezes desconhecemos. Até eu confronto-me às vezes com verdadeiras descobertas quando pensava que já conhecia muito bem uma região. É por isso que gosto das visitas aos lugares em repetidas ocasiões porque podem ser vistos em estações diferentes e sempre se aprendem coisas novas, mesmo naqueles lugares que achamos já muito conhecidos. É assim que vou conhecendo aos poucos muitas aldeias e lugares raianos e não tão raianos!

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