segunda-feira, 16 de março de 2009

A língua portuguesa na Extremadura espanhola

Na região da Extremadura espanhola, um facto muito desconhecido pelos portugueses e pelos próprios espanhóis é a existência de uma série de aldeias raianas onde a língua materna continua a ser a língua portuguesa. Tencionamos neste blogue dar a conhecer, modestamente, esta realidade. Portanto, quem esperar cá um listado de bibliografia não o vai encontrar, já que apenas tencionamos dar algumas orientações quanto a esta realidade, a modo de divulgação não erudita. Também porque achamos que os nossos leitores, a não ser que queiram aprofundar neste campo da Filologia Românica, apenas pretendem conhecer factos curiosos sobre estas terras raianas mal conhecidas.

A língua portuguesa na Extremadura espanhola tem três focos essenciais:

1-O núcleo de Ferreira de Alcântara (Herrera, em espanhol), que é o mais antigo. O facto de se falar lá o português se deve à repovoação portuguesa da região aquando da Reconquista, lá nas primeiras décadas do século XIII. O território passou várias vicissitudes: ora pertencia ao reino de Portugal, ora ao de Leão. O Tratado de Alcanices de 1297 pôs fim às pretensões portuguesas de dominar a região, se bem que Portugal nunca esqueceu tal território e o reclamou sempre que pôde nas guerras seguintes. A realidade é que ficou definitivamente na posse de Castela, mas a população portuguesa que morava lá continuou a viver na aldeia, de forma que hoje o português que se fala lá é um português arcaico, sem qualquer ligação com os dialectos alto-alentejanos e beirões. Portanto, para um português normal, esse português soaria um bocado esquisito, precisamente pela ausência de relações com o resto do país.

2-Uma franja que se estende desde Cedilho até La Codosera. O português falado lá deve-se à emigração de portugueses do Alentejo após a Guerra da Restauração. O fim da guerra teve como consequência o desenvolvimento demográfico, em claro contraste com a Extremadura espanhola, em declínio, e obviamente pouco povoada. Isso levou a alguns portugueses à ocupação de terras do outro lado da fronteira apartir do século XVIII, como foi no caso de Cedilho. Mas será apartir do terceiro quartel e, sobretudo, o último quartel do século XIX que se verifica a maior intensidade nessa emigração além fronteiras. Desta forma apareceram aldeias como La Fontañera (Fontanheira) na mesma Raia, Las Casiñas (Casinhas), Casas del Pino, etc. aldeias situadas a poente da vila de Valência de Alcântara, mas onde se fala um português alto-alentejano com traços do dialecto beirão falado na Beira Baixa. Outro núcleo são as aldeias que se povoaram na sequência do Tratado de Limites de Lisboa de 1864. Tal tratado permitiu a fixação da fronteira com o repartimento das chamadas Contendas, quer dizer, territórios que pertenciam normalmente aos municípios, de uso comunal, mas que não apresentavam qualquer divisão fronteiriça e com limites muito imprecisos, pelo que não era permitida nenhuma construção de habitações para uso humano. Com o desaparecimento das contendas, a fronteira ficou definitvamente fixada na região e houve muita emigração para o outro lado da fronteira, designadamente da freguesia de Esperança, no concelho de Arronches. Apareceram assim aldeias gémeas como Rabaça/La Rabaza ou Marco/El Marco, que realmente são a mesma aldeia partida apenas em duas pela fronteira. Outras aldeias como Bacoco, La Tojera (Tojeira), La Varse e outras foram também povoadas por portugueses. La Codosera, no entanto, ficou como uma espécie de aldeia mista, sendo que há uma romaria anual na Igreja de Chandavila, que expressa esse carácter misto da região, onde confraternizam portugueses e espanhóis. Uma curiosidade a salientar é o facto de os pais terem enviado os seus filhos à escola portuguesa após a Guerra de Espanha de 1936-1939 para não perderem as suas raízes nem a nacionalidade portuguesa. Se bem que a maior parte dos habitantes têm dupla nacionalidade, há quem ainda só possua a nacionalidade portuguesa.

3-O português oliventino, falado nos concelhos de Olivença e Táliga, que teve a ver com a dominação portuguesa até 1801. A situação, após os esforços de aniquilar a língua portuguesa por parte das autoridades espanholas como se o português fosse uma ameaça à unidade nacional, é que o português ainda se mantém vivo, mas de forma ruim, como já referimos no 'post' dedicado à Jornada sobre o Português oliventino.

De qualquer forma, isto mostra que a língua portuguesa é falada também em Espanha, designadamente, mas não só, na zona raiana da Extremadura espanhola, pelo que deveria ser objecto de protecção e promoção por parte das autoridades espanholas como direito da própria língua de acordo com a Carta Europeia de Línguas Regionais e Minoritárias do Conselho de Europa, e como direito dos próprios habitantes ao uso da sua língua sem entraves nem politiquices absurdas que não levam a lugar nenhum.

Mapa 1. Mapa de situação dos territórios de língua portuguesa na Extremadura espanhola (pode clicar para ver num tamanho maior).

12 comentários:

  1. Muy intersante el post. De todas formas, eso de que el portugués sea reconocido en esas zonas mal lo veo. En España hay autonomías de "primera categoría" como Cataluya y el País Vasco y otras ya no de segunda sino de tercera como Extremadura y Asturias que es la mía.
    Sí en Asturias el asturiano hablado por varios centenares de miles de personas no es ni siquiera oficial, aunque gran parte de la culpa es nuestra de los asturianos, imagínate esos reconocimientos para con el portugués hablado por pocos hablantes.

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  2. Por cierto. ¿Hay alguna carretera que una Cedillo y Herrera de Alcántara con Portugal?. Siempre me sorprendió que en los mapas que he consultado no aparece ninguna.

    Desde Cedillo hay una que acaba en Machera pero no veo que cruze el río hacia Portugal.

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  3. Qué casualidades tiene la vida. Precisamente acabo de leer un artículo sobre el Parque Natural del Tajo/Tejo Internacional en una revista que hace días que tengo. Se trata de "Vivir Extremadura" que viene con la revista "Vivir El Vino". Se puede conseguir gratis en El Club del Gourmet de El Corte Inglés. En Badajoz lo tienes cerca.

    Y la lectura me contestó la pregunta que hacía. No hay comunicación por carretera entre las dos orillas del río. Increíble en pleno siglo XXI.

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  4. Sí es triste pero es así. No se valora tanto el patrimonio lingüístico como cualquier catedral (o hasta ni siquiera eso). El panorama ya sé que es desolador, pero es el que hay. En cuanto a la conexión entre Cedilho y Montalvão si no me equivoco, se puede, los domingos, a unas horas reducidas, pasar por encima del embalse (barragem) de Cedillo. Pero vamos, cuando estuve allí no me fue posible pasar porque estaba cerrado.

    Y sí, es increíble que aún tengamos esa incomunicación.

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  5. Disculpen mi intromisión, pero hace unos días observé una revista, Noudar, que recogía una iniciativa transfronteriza singular, que era "adoptar" una palabra del léxico rayano. Hablaba también de Cedillo, y están ustedes en lo cierto (al menos, según la revista), el paso entre Cedillo y Montalvão sólo está abierto los fines de semana por el puente construido para la central hidroeléctrica.
    Enhorabuena por el blog, me parecen unos contenidos excelentes.

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  6. O quê???? Português em Cedilho e Firrêra? Esqueçam!!! Só os velhotes é que o falam, esta é a realidade, a malta nova diz que percebe o português, mas que ninguém se engane a castelhanização é completa nestas duas vilas...
    Ainda me lembro quando os "cedilleros" eram confundidos com tugas ou galegos noutras partes da Extremadura, agora... são tão extremenhos como o resto da região,
    (afinal os anos em que era proibido falar em português na escola deram frutos)
    "línguas minoritárias"?? O que é isso? Se calhar na Catalunha ou Pais Basco que são ricas... mas por cá...?
    Estradas para Portugal? Só se for de avião!
    E agora com o parque internacional tá mais complicado...

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  7. Paulo

    Felicidades por el blog!!

    Como Portugués/Español me parecería muy bien que estas regiones rayanas tuviesen en ambos lados el estudio de la lengua del otro lado. Como está la situación? Se estudia portugués en extremadura, a parte de estas zonas, y en otros lugares de España? Siempre me ha fascinado lo cerca y lo lejos que estamos: Tão perto, tão longe!!

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  8. Hola Paul.

    Perdona el retraso en contestarte. Por lo que sé, la lengua portuguesa se estudia en estas áreas raianas de Extremadura y el gobierno regional ha apostado muy fuerte en el portugués, siendo la Comunidad Autónoma donde más estudiantes de portugués hay. Supongo que la implementación del portugués como segunda lengua (después del inglés) será algo progresivo, más ahora con la crisis económica...

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  9. Olá compadre gaiato,

    Vossemecê diz que o português é estudado naquelas vilas raianas fronteiriças espanholas... Até ai tudo certo. Só que é curioso comprovar até que ponto a história é irónica... nessas vilas durante muuuitooosss anos a língua e cultura portuguesas foi negada pelas instituições políticas espanholas e pelos próprios habitantes da região. Agora temos o paradoxo de aprender a língua que deveria ter sido "materna" como língua estrangeira, em fim o mundo ao contrário...
    Em Espanha a língua portuguesa não é uma realidade, só em duas regiões é que a implementação do português foi mais significativa, na Galiza e na Extremadura, mas.. mesmo nestas duas regiões a presença continua a ser pouco marcante para a população em geral. Vou dar um exemplo: em Portugal de Norte a Sul do país estuda-se espanhol no secundário, em Espanha... só em certas escolas da Extremadura e Galiza, sendo que não é nem de longe uma escolha dos pais e / ou alunos. Para inverter esta situação seria preciso inverter as mentalidades dos povos e isso... leva tempo.
    Parabens pelo excelente blogue.

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  10. Olá ryan_nou.

    Obrigado pelo seu comentário. Concordo com o que o senhor diz. Obviamente a situação da língua portuguesa no ensino em Espanha não acompanha com os esforços que nós temos feito nesse sentido. Mas sou optimista.

    A língua portuguesa tem de "lutar" com o espaço de outras línguas como o francês ou o alemão (o inglês fica de fora, é claro) e os espanhóis têm olhado para Portugal muitas vezes em termos depreciativos em vez de encarar a lusofonia como mais uma oportunidade de abrir mercados e ter acesso a outras culturas. Ainda persiste, embora cada vez menos, felizmente, um certo tipo de pessoa que pensa que com o castelhano chega e que não vale a pena aprender outras línguas que não sejam aquelas que são "práticas". No entanto, há cada vez mais interesse na língua portuguesa. Não posso dizer como é o ensino do português nestas áreas fronteiriças, mas pelo pouco que sei, em todas as escolas é leccionado. A Junta da Extremadura tem feito uma aposta por Portugal como parceiro estratégico e hoje já não é tão surpreendente encontrar em Badajoz pessoas a falarem em português, por exemplo, no comércio. A sinalética dos monumentos da cidade, de facto, inclui o português. São pequenos passos que a pouco e pouco contribuem para uma maior projecção da lusofonia.

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  11. E também a região de Xalma:

    http://bibliotecavirtualsierradegata.blogspot.com.es/2011/01/as-falas-das-elhas-valverde-e-s.html

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    1. Obrigado pelo «link». Vou ler à respeito disso. Realmente há alguma polémica com as falas do vale de Xalma (ou Xálima). Uma tendência minoritária diz que são falas leonesas (o que eu pessoalmente não acredito), mas é já mais difícil escolher entre os que as consideram como galego meridional ou entre os que acham que são falas plenamente portuguesas e há quem diga que são falas galego-portuguesas, para não molhar-se no assunto. Eu tenho as minhas dúvidas, mas lerei o livro em questão para poder ter uma opinião mais formada.

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